Se não encaixa, não force

From Henry's personal library

Esta lição é uma continuação da anterior. Num lado da moeda temos "Se você pode fazê-lo sem aquilo, então faça-o". Enquanto do outro lado temos "Se não encaixa, não force". Por um lado, podemos viver sem algo. Por outro, não podemos forçar algo se aquilo não faz bem. Mark ensina que eliminar as "porcarias" (o termo que ele usou em inglês é "stinker"), as cartas que obviamente são ruins, é fácil. O mesmo não pode ser dito dos designs que são bons por si mesmos, mas não são tão bons assim quando comparados com todo o set. Designers experientes devem perceber que mesmo que uma carta seja ótima por si só, ela precisa ressoar com o restante das cartas. Senão, ela precisa ser descartada. Forçar a carta a ficar ali causando mais problemas do que soluções é um potencial desperdiçado. Uma outra carta, mais apropriada para uma tarefa, está sendo trocada por algo que não é a melhor carta naquela função. Se a carta que precisou sair é boa por si só, ela encontrará um lugar em outro set.

Mark pontua que o trabalho que ele tem é o trabalho dos sonhos, mas vem junto de um fardo. Ele recebe mais tarefas do que é humanamente possível de executar para ele. Em muitas situações ele prioriza a sua família numa decisão deliberada. Muitas vezes ele gosta de uma ideia e gostaria que ela fosse incluída no set, mas muito frequentemente ela precisa ser postergada para outro set. O mesmo se aplica na vida dele. Ele precisa tomar decisões e cada decisão traz seus prós e contras. O que ele ensina é que você não pode tomar decisões quando esta decisão não ressoa com outros aspectos da sua vida. Por exemplo: sacrificar a família para fazer algo é uma decisão ruim.


A discussão dele sobre não forçar o que não se encaixa é sobre dispor de espaço e/ou tempo limitados e não podemos arcar com tudo ao mesmo tempo mesmo que tivéssemos toda a intenção do mundo. Temos que ter prioridades. Quando somos apaixonados por um detalhe tendemos a perder a amplitude das coisas. Este é o perigo de que ele fala. Eu li alguns artigos nas neurociências que descrevem como o cérebro entra num estado de demência temporária quando nos apaixonamos com algo ou alguém. Nós realmente perdemos a dimensão das coisas nestes casos. Ficamos com uma visão de túnel e tendemos a fazer julgamentos enviesados.

Eu acho que tudo isto é muito relativo a tipos de personalidade. Há uma verdade na saúde mental que é: os tipos de personalidade são estáveis. As pessoas são o que são e mesmo que quisessem é impossível ser outra pessoa. Mudanças são possíveis, mas não ao ponto de adotar uma nova identidade com traços e comportamentos completamente diferentes. É impossível fazer isso. Pegue o Mark de exemplo. Ele nos conta que é aberto com as suas emoções, é baixo, é teimoso e ele ama Magic. Pode ele se transformar numa nova pessoa que odeia Magic, reprime as emoções e vira a próxima estrela na NBA (Liga de Basquete Americana)? Por todos os motivos racionais que posso pensar, não. Quem sabe ele possa agira fora da sua persona por um tempo, mas não para sempre ou por um longo período. Se você ler sobre atuação, personalidades, golpistas e saúde mental. Existem pessoas com esta capacidade de agir como um personagem por longos períodos. O ponto que quero enfatizar é: não podemos nos forçar a se encaixar num lugar que simplesmente não vamos nos encaixar. Muito menos forçar alguém a se encaixar. É por isso que os transtornos de personalidade são extremamente desafiadores, porque estas pessoas são complexas e não temos como recorrer a uma mágica poderosa que as mude.

Voltando o design de jogos, eu posso relacionar facilmente este assunto com design em geral. Há um conceito de harmonia que de alguma forma é inato ao cérebro humano. Como alguma coisa se destaca? Se destaca por ter algumas características que fazem aquilo atrair mais atenção do que outras coisas. Somos prontamente atraídos por algo que se destaca. No caso do Magic eles precisam ser muito cuidadosos com algo que se destaca porque, como Mark afirma, uma carta precisa servir a um propósito e não importa o quão boa ela seja. Se não estiver servindo ao seu propósito num set ela precisa ser substituída por outra carta. Coesão e coerência são importantes. Pense num jogo. Todas as peças dele precisam ressoar umas com as outras assim como ocorre com as cartas de magic num set. Uma carta não é criada para ser sozinha. A menos que existam fortes razões para fazer algo que se destaca, uma peça do jogo não pode quebrar a coesão e a coerência do produto todo.

Me lembro de algum podcast sobre o mercado profissional e há uma outra verdade. Assim como um tipo de personalidade é estável, a cultura também tende a ser. As empresas têm diferentes culturas e é duro aceitar, mas se uma pessoa não se encaixa ali, não há como forçá-la a se encaixar. Forçar o encaixe certamente acarretará problemas de saúde mental. Poderíamos discutir tolerância, racismo, sexismo, preconceito e por aí vai. Mas vou pular tudo isso por hora porque não é o assunto principal aqui. Estou especulando, mas suponho que quando um produto, por exemplo um jogo, passa a sensação de ser desconexo, sem coerência e coesão. Eu imaginaria que a empresa por trás deve ter tido muitos problemas com gerenciar discordância, vozes dissonantes entre os designers e desenvolvedores e que, de alguma forma, o produto chegou ao mercado do jeito que chegou. Infelizmente não tenho experiência com tudo isso e só posso admirar o trabalho que o pessoal da Wizards tem para manter o Magic ativo por tantos anos com padrões tão elevados de qualidade. O trabalho que Mark tem é difícil, muito difícil.

Referências (inglês)

Referências (português)

  • Pedro Calabrez e seu conhecimento sobre neurociências
  • Max Gehringer e seu conhecimento sobre o mercado de trabalho