São os transtornos mentais biológicos ou contextuais?
Quando eu vejo a descrição da classe "transtornos de desenvolvimento". A sobreposição com "transtorno de personalidade" é muito grande. Afinal, transtorno de personalidade surge como? Todos eles têm na sua formação o desenvolvimento. Se a pessoa não desenvolveu certas habilidades ou se algumas habilidades são muito destoantes e acima da média. Pessoas que por exemplo conseguem mentir muito fácil. Ou pessoas que são extremamente insensíveis / sensíveis. Isso é adquirido ou simplesmente de nascença? Pesquise os casos narcisista e antissocial. Índole e carácter não fazem parte da descrição de transtorno nenhum. Se você gosta de matemática ou de música. Isso é simplesmente porque nasceu gostando? Ou será porque aprendeu a gostar? E se odeia. Você foi ensinado a odiar? Você tem trauma que se relaciona com o assunto matemática ou música? Acho que todas as perguntas anteriores podem ser respondidas com "sim". Você pode adorar até uma certa idade e perder o interesse com o tempo? Sim. Você pode nunca ter tido interesse e depois de algum tempo passa a se interessar? Sim também.
Onde é o peso da genética em gostar de matemática ou de música? Ninguém sabe. Mas que o ambiente pode fazer a pessoa gostar ou não de acordo com a experiência positiva ou negativa com a matemática ou a música. Isso acho que a maioria dos educadores pelo mundo concorda. O Dr. Guido Palomba é defensor de que gênios da arte nascem assim. Eu já vi atores dizendo que um grande ator nasce assim e que não existe uma escola que consiga transformar uma pessoa num grande ator se não nasceu para isso. Mas aí entram outras variáveis porque um gênio da arte pode ser um rebelde, um louco, um preguiçoso, um criminoso. Assim como uma pessoa que não nasceu com um dom artístico pode, por alguma razão, se tornar obcecado(a) por melhorar nas artes.
Um exemplo. Na escola tinha uma menina na minha turma que os pais eram formados em física. Então ela foi fazer faculdade de física, você iria supor? Não. Ela queria é medicina veterinária. Os pais dela estimulavam a filha a gostar de exatas? Isso eu não sei dizer. Eu pessoalmente até vejo que estimular exatas pode, porventura, ser abuso em casos extremos. Por ex: algum pai ou mãe que obrigue a ficar resolvendo exercícios e refazendo até acertar e punindo se não o fizer. Isso seria um pai ou mãe com transtorno de personalidade? Pode ser que sim eu diria. Pode ser uma forma de educação aprendida num ambiente traumático? Pode também. A história do Michael Jackson e de como o pai tratava os filhos vai nessa direção por ex. O Michael Jackson poderia ter desistido da música? Sim, mas continuou até que morreu acidentalmente. O que eu concluo disso é que o peso de traumas nas escolhas da vida é grande, mas ao mesmo tempo não é determinístico e pode variar entre mais pesado e menos.
Pegue o exemplo do neurocientista James Fallon que escreveu um livro sobre ser um psicopata e como ele descobriu isso. Ele diz que nunca teve nenhuma inclinação para cometer crimes e que a família da mãe sempre foi calorosa e amável. Diz ele que na história da família do pai há pistoleiros, criminosos e assassinos. Agora pense nos comportamentos de mentir, manipular para explorar, ser egocêntrico, querer aparecer mais do que os outros, etc. Quanto disso é genético? Quanto disso é aprendido? Existe alguma prova de que um assassino em série nasceu assim ou de que um gênio da música ou da matemática nasceu assim também? Onde entra o ambiente na formação da crueldade / genialidade? Se você pesquisar por entrevistas do Artur Ávila (medalhista Fields e brasileiro), grandes professores de ciências em geral, muitos músicos famosos. É comum o padrão observado de terem começado já na infância. Mas isso não é uma regra. Eu mesmo posso lembrar na faculdade de histórias de professores que não eram os melhores alunos e se tornaram bons professores, apesar de nunca terem ganhado um Nobel por ex. Ou mesmo pessoas que com o choque da mudança de ambiente e de cobrança na faculdade, mudaram de opinião e passaram a não querer mais a física ou a matemática nas suas vidas, mesmo que fossem os(as) melhores alunos(as) da escola.
Se você já viu muitas entrevistas do Dr Guido Palomba ele defede a tese de que criminosos que são doentes mentais ou aqueles fronteiriços como ele diz, que estão numa zona intermediária entre a lucidez e a loucura, já nasceram com algo orgânico que faz aquelas pessoas terem a intenção de cometer crimes hediondos. Todo tipo de atirador que entra numa escola ou outro lugar de grande movimento e sai matando pessoas aleatoriamente precisa ter uma doença mental para explicar o evento. Sem adicionar o elemento da loucura não se entende o crime. É isso que o Guido defende. Ele inclusive defende que esse tipo de crime é imprevisível, pois não há meios de predizer quando uma pessoa vai cometer um crime desse tipo. Em contrapartida eu também sigo outras fontes como Alan Mocellim e qual o peso da criação nessas pessoas criminosas e loucas? O Guido diz que é impossível uma pessoa que não nasceu com uma alteração orgânica importante, mesmo tendo traumas severos e outros fatores externos e não orgânicos, na vida adulta cometer um crime chocante como um massacre num cinema. Aí eu concordo. Mas quem comete crimes chocantes como um massacre num cinema não teve uma criação normal e com certeza muita coisa aconteceu no histórico da pessoa.
Fica a questão: Qual é o padrão normal de criação? Não sei dizer se existe um. Mas com certeza, por tudo que li sobre relacionamentos tóxicos, podemos fazer uma lista de coisas tóxicas e abusivas que não poderiam ser chamadas de normais em nenhum lugar do mundo. Eu pessoalmente diria que a separação entre biologia e contexto pode ser feita mais ou menos assim: altura da pessoa, alergias, capacidade de lembrar de acontecimentos por muito tempo, dificuldade de ler como a dislexia, dificuldade com memorizar nomes, ser uma pessoa mais extrovertida ou introvertida, etc. Essas características costumam ter um peso grande que vem da biologia. Mas mesmo quando se trata de dislexia, pessoas com "memória fraca" que esquecem fácil ou pessoas temperamentais demais. Essas características não são simplesmente impossíveis de contornar e chamá-las de "defeitos genéticos" acaba sendo preconceituoso. Eu diria que características como falar muito ou pouco, ser uma pessoa que gosta de festas ou que prefere a solidão, ser uma pessoa muito calma ou muito irritadiça, preferir música clássica ou metal pesado. Todas essas o contexto social pesa e quem sabe mais do que o peso da biologia.
De uma maneira geral eu concordo com a tese de que boa parte dos transtornos tem contribuições externas que não dizem respeito à genética ou biologia. Se você pesquisar sobre o caso borderline tem relatos de que não houve trauma ou um ambiente abusivo que é muito comum na grande maioria dos casos deste transtorno de personalidade. Então como aconteceu? Não sei dizer, mas quem sabe se você pudesse fazer um escrutínio de todas as experiências de vida da pessoa. Alguns elementos pudessem ser revelados. Por ex: muitos casos de depressão parecem não ter uma origem clara e se a pessoa reconta a sua história não parece haver algum motivo em específico. A minha suspeita seria a de que processos mentais, que a pessoa desconhece, estão levando a um quadro depressivo. Reconhecer que tipo de influências estão pesando na vida e muitas destas influências provavelmente são contextuais como diz o vídeo do Alan. Todos estamos sujeitos à estímulos e experiências positivas e negativas o tempo todo, porém poucos tem conhecimento sobre o que acontece na mente e como todas essas influências contextuais impactam na vida.
Surge aí a pergunta: tem algo biológico que faça uma pessoa ser mais susceptível à depressão? Que favoreça a pessoa a seguir um caminho de psicopata e criminalidade? Não sei dizer. Ninguém tem uma resposta definitiva. Eu pessoalmente diria que é impossível dissociar fatores biológicos de ambientais. Todos os transtornos variam em gravidade e a interação dos fatores biológicos e ambientais é complexa e explica a grande variação entre os casos. Isoladamente, biologia ou ambiente, não são capazes de fazer um transtorno se manifestar.
Referências
- Loucura ou genialidade? Qual a diferença? - Dr. Guido Palomba
- Qual o papel da genialidade, do esforço e da sorte no sucesso? - Artur Ávila
- A gente consegue tudo pela educação - Yvone Bezerra de Mello
- Pesquisador se descobre psicopata ao analisar o próprio cérebro - BBC Brasil. Aviso! A história dele parece não ser totalmente verdadeira e há questionamentos sobre a veracidade dela e do seu diagnóstico. Pesquise sobre.
- Outras fontes incluem Dr. Ramani, Marsha Linehan, Dr. Daniel Martins de Barros, Dr. Fernando Fernandes