Meritocracia? Valores, crenças e Merecimento
Se eu fosse o CEO de uma empresa de jogos. Quem é que eu contrataria? No vestibular o sistema, supostamente, é imparcial. O corretor não sabe quem fez a questão e não sabe de quem é a prova que está sendo corrigida. Ou a resposta está certa ou não. Se for dissertativa tem pontuação entre zero e X pontos. Se for múltipla escolha, é o computador que lê o cartão de respostas. Eu mesmo aprendi sozinho uma coisa: quando a resposta não está escrita ou está muito mal escrita. O que o corretor vê? Ele vê que a resposta esperada não está escrita! Ele não adivinha pensamentos e uma resposta que você nunca escreveu lá! É por isso que na redação o corretor não interpreta argumentos. Ele não tem como saber o que você queria dizer, mas não disse direito! Sabe que no filme "À procura da felicidade" com Will Smith. Tem uma cena no elevador que um dos candidatos esqueceu de responder as questões do outro lado da folha. O corretor da prova vai adivinhar?
Na seleção brasileira quem é que entra? Num cenário como o Bernardo (Bernardinho) Rezende faria, entram aqueles jogadores que formem o time vencedor. Não basta um jogador ser o melhor na sua posição ou nem é esse o ponto. O ponto é que o conjunto tem que ser o melhor e nem sempre o jogador com as estatísticas mais altas (pontos) é o que vai servir ali naquela posição. O exemplo que ele dá é o corte do Ricardinho, o então melhor levantador do mundo. Eu nem vou entrar em questões políticas, corrupção, patrocinadores e preconceitos. Estou supondo um cenário livre disso.
O jogador apto a fazer parte da seleção tem que compartilhar os valores daquela seleção, senão não serve para aquele time, mas quem sabe para um outro. O que isso tem a ver com vestibular e a USP? Parte da evasão poderia ser explicada por essa falta de sincronia entre os seus valores e os da universidade ou faculdade que você está. Acredito eu que o esforço é maior quando os valores da empresa e os seus estão mais alinhados ou sincronizados. O Ricardinho não saiu da seleção por ser um jogador ruim, mas porque não houve essa sincronia de valores. Eu saí da USP e parte disso também foi falta de sincronia. Uma pergunta natural aqui seria: os valores da universidade estão sincronizados com os da sociedade? Não vou entrar nessa discussão porque não é o ponto aqui e não tenho competência para tal discussão.
No vestibular sim, quanto mais pontos, melhor. Mas quem passa é mais inteligente? É melhor? Mais esforçado? O corretor não sabe. O sistema da prova não sabe. O sistema não sabe quanto você estudou. Não sabe se você foi forçado ou se foi vontade espontânea. Não tem medição de esforço e dedicação. Mas o sistema presume que quanto mais pontos, melhor. É o sistema mais barato que tem para avaliar milhares de pessoas de uma vez. Mas também é o mais bruto, que tenta avaliar esforço indiretamente por meio de uma nota final.
Agora tem uma outra premissa que o sistema do vestibular tem embutida na prova. A premissa de que todos tem acesso ao estudo por igual. O que é falso. Eu já fui defensor da FUVEST - Fundação Universitária para o Vestibular, hoje não concordo mais e entendo a posição de muitos professores da USP - Universidade de São Paulo que são contra o vestibular. O vestibular não foi feito para selecionar quem merece mais, muito menos quem precisa mais de uma faculdade.
Se eu fosse do RH de uma empresa, vou avaliar competências e habilidades ou vou decidir quem merece mais? Merece como e por quê? Como eu vou saber da vida de cada um? Um histórico, sem manipulação, supostamente diz se a pessoa é esforçada. Mas qual é a escala de esforço então? Como se comparam pessoas assim? Eu já tive vários professores, relembrando quando eram estudantes, e colegas relatando "O *** estudou pouco e tirou uma nota maior do que eu que estudei muito mais!". O Thiago Klafke no vídeo diz "Você não vai ser contratado porque acha que merece". Eu vou ser sincero, não gostava das provas da faculdade e continuo não gostando. Mas eu também não sei qual a alternativa para ser honesto. Um professor de física do Institute of Physics | University of Sao Paulo (IFUSP) me disse "Prova é a pior coisa que tem, mas como você avalia 50 ~ 100 alunos de uma vez?". Eu simplesmente não posso atribuir a minha evasão e insucesso na faculdade às provas e notas. Lá dentro da USP tem tanto alunos que querem passar de qualquer jeito, quanto os que apreciam o rigor e a cobrança porque é assim que aprendem. Eu nunca achei que baixar o nível era uma solução, apesar de que também não concordava com subir demais o nível das provas e reprovar a turma inteira.
Eu insisti muito para passar na Fuvest e passei. Mas não me formei. Eu hipervalorizei o que a Fuvest queria, que era o conhecimento puro e teórico. Além do estudo solitário, que é outra premissa do modelo do vestibular. Não se questiona muito que o que se aprende na sala de aula é muito desconexo da realidade? Pois é, hoje eu também me questiono o que é que deveria ser ensinado nas escolas. Várias escolas e famílias valorizam o estudo e a teoria acima de tudo. O vestibular representa essa crença de que quanto mais você sabe, melhor. É pura competência técnica e mesmo assim, a prova ainda é limitada quanto ao seu poder de seleção porque o tempo de prova é limitado. Do que adianta ter um doutorado em ciência dos alimentos se eu não sei cozinhar? Esse é o ponto. Eu me lembro de pelo menos um professor lá na USP me dizendo que alguns ditos doutores mergulham na teoria e de lá não saem mais. Vale para qualquer área do conhecimento.
Tem um ponto em comum nos vídeos do Peter Jordan, do Bernardinho e do Paulo Storani. Uma equipe é feita de um somatório de pessoas. Ninguém consegue ser bom em tudo ao mesmo tempo ou não ser bom em nada. Os dois extremos são idealizações. Você pode substituir as pessoas, mas se trocar os valores do time, você desmonta tudo. Acredito que a lição disso é que pessoas podem ser substituídas no que fazem, mas sempre haverá uma troca de ganhos e perdas porque não existem duas pessoas iguais. Eu me questionaria se existem pessoas inabaláveis, tais como a frase “ninguém é insubstituível”. Existem pessoas sem pontos fracos ou negativos? Isso me leva a uma crença de que todas as pessoas precisam e devem se complementar num time ou grupo.
Mais outro ponto em comum nos três vídeos citados, incluindo aí o Thiago Klafke. Derrotas, fracassos e estresse. Não passar no vestibular, reprovar cálculo, não se formar e conseguir o sonhado diploma, perder muito dinheiro, não ganhar medalha de ouro, ser vítima de um golpe, ser demitido ou não ser contratado. A pergunta que fica é: O que você aprendeu? Culpar o processo, a prova, as regras, o recrutador, a empresa, a competição, é fácil. Todas as fontes que usei tem em comum assumir as próprias responsabilidades. Não fazer isso inclusive é o que impede tratamentos psicológicos de funcionarem. Agora a questão de onde surgem essas barreiras mentais é uma discussão que está além do meu alcance. Mas tem um argumento que o Alan Mocellim usa que concordo: fugir ou rejeitar a reponsabilidade é porque dói.
Pelo menos mais de um professor lá na USP, cada qual com as suas próprias palavras, me disse o seguinte: se você não estudar ou plagiar trabalho dos outros, o máximo que acontece é reprovar. No mercado tem demissão, processo por plágio. Tem uma frase comum que diz que o vestibular é a última prova fácil da sua vida. Eu vivenciei isso. O conteúdo cobrado no vestibular é básico. No ensino superior o conhecimento é mais complexo e mais profundo do que no vestibular. A pós, ainda mais aprofundada do que a graduação. O ambiente da academia é de rigor e de cobrança porque toda a ciência depende do rigor e da cobrança. Um professor criticar um trabalho e apontar erros é muito muito menos do que perder uma olimpíada, uma empresa falir, uma vida sem emprego ou o risco de uma operação policial ser uma catástrofe. Esta é uma crença na qual acredito: um processo mais rigoroso é necessário para obter resultados melhores. Porém, não tenho competência nenhuma para discutir os métodos do processo.
Agora o problema inverso. Se eu fosse o CEO e tivesse que demitir? O Renato Cariani relata num podcast que de três pessoas na empresa, uma iria ser cortada. Dos três, quem mais entregava resultado era um solteiro que também era o que mais esbanjava na vida. Os outros dois eram casados e tinham filhos, mas um era o que menos entregava. Quem saiu? O que entregava menos resultados. Justo? Um argumento que me chamou à atenção: o casado e com filhos não estava vivendo bem e se a preocupação dele com o emprego e a renda fosse muito grande, não deveria ser ele quem mais se sentiria pressionado para entregar mais resultados? Eu já escutei muitas entrevistas no rádio e li reportagens diversas. Escolher pessoas com base em coleguismo, politicagem ou critérios de justiça social. É a receita para falir. Critério de amor e paixão é o pior. É a receita para uma catástrofe ou tragédia. Pensa assim, se eu deixar o lado pessoal falar mais alto e puser a amizade na frente em detrimento da saúde da empresa. Se falir todos perdem. Vale a pena? O exemplo que o Bernardinho dá é o corte do Murilo nos jogos olímpicos de 2016. Nas condições físicas que o Murilo tinha o time não chegaria ao ouro. O discurso do BOPE (Rodrigo PIMENTEL e Paulo Storani) do RJ é mais ou menos nesse sentido, uma pessoa fazendo besteira (bancando o herói por ex) vai por toda operação em risco.
Tem muita coisa que li sobre transtornos diversos, incluindo aí os de personalidade e muita coisa sobre ego. Não dá para discutir muito isso aqui e nem tenho formação para tal. Mas você se sentir apto ou preparado nem sempre é corroborado pela realidade em si. Isso aconteceu com o meu site de design de níveis. Aquilo não vale nada para pleitear uma vaga numa empresa de jogos. Isso acontece também no vestibular, em provas da faculdade e com muita gente. Mas também imagino o problema da demissão. Se achar tão importante e necessário que o corte não aconteceria ou, com sorte, fosse o último a ser cortado. A demissão pode ser justa ou injusta. Mas eu diria que via de regra, quanto mais você estiver desconectado da realidade e de si mesmo e quanto mais distante você for dos seus pares, mais enviesada será a sua autoavaliação.
Uma coisa que se aprende na faculdade e isso não é dentro da sala de aula, é que o esforço não é simplesmente bruto e sem direção. Resultados bons também dependem de um esforço bem direcionado e bem dosado. Nem sempre quanto mais horas ou quanto mais pesado / intenso, melhor. Depende de como você aproveita essas horas e de como você treina, estuda, pratica, lê, escuta / ouve, pensa, etc. Por experiência própria, estudar cálculo não se resume a resolver o máximo de exercícios que você aguentar. Nos esportes, vários técnicos ou professores de educação física ensinam que o treino depende de técnica também. Não basta só mais horas ou mais peso. Isto me levou a descobrir uma certa crença escondida: a de que você acredita estar perfeitamente preparado. Perfeito como? Existe a perfeição? Alguém controla todas as variáveis possíveis? Se você atingiu a perfeição não tem mais o que treinar, o que estudar, o que aprender, acabou.
O que tem em comum entre a decisão de contratar e a decisão de demitir? Nenhuma pessoa ou valor individual vale mais do que o grupo inteiro. Cada parte tem uma importância e um valor, mas eu também diria que é uma utopia uma estrutura onde todos tem a exatamente a mesma importância e valor. Uma igualdade forçada pressupõe que todos são iguais, o que é impossível. Pelo menos quando temos um cenário ideal, sem favorecimentos indevidos. Para entrar, um mínimo de esforço e os seus valores devem ter um mínimo de compatibilidade com o que o contratante quer ou espera de você. Para sair, de novo, esforço e valores. Sem um mínimo de esforço e com valores incompatíveis, não se consegue continuar fazendo parte daquele grupo.
Crenças e comportamentos mudam? Com o tempo é possível. Mas é difícil. Sigo o Alan Mocellim e o Pedro Calabrez e tanto a psicologia mais moderna quanto as neurociências têm um consenso: é impossível reescrever a mente, apagar tudo e recomeçar do zero. Só existe isso em filme de ficção científica, filmes sobrenaturais com possessão de espíritos ou filmes de super-heróis com poderes de controlar a mente. Valores mudam? O Bernardinho diz que os valores do time vencedor não se discutem, mas se discutem métodos. Eu acrescentaria que os bons valores não mudam e são duradouros. Não vou tentar discutir ética e valores de empresas aqui porque seria impraticável para mim. Só posso comentar que mudar totalmente os valores de uma organização é extremamente difícil, ainda mais quando se tem valores que já duram muito tempo.
Tem um ponto em comum em todas as fontes que usei para este artigo. O discurso do Bernardinho por exemplo é a de que a pessoa se mantém no esporte por necessidade, paixão ou a combinação de ambos. Isso se aplica desde os jogos como no caso do Thiago Klafke que está trabalhando lá com o que ele queria mesmo. Na faculdade, que é onde eu estava e não terminei. Se aplica também ao BOPE. A faculdade não era necessária para mim e eu também nunca fui apaixonado (precisei de tempo para descobrir isso) pela área (meteorologia no caso). Eu vi isso na prática, os colegas e professores mais dedicados, se não eram apaixonados pela área, estavam lá por necessidade e faziam o que tinha que ser feito (estudar no caso). No BOPE quem desiste é quem não compartilha daqueles valores do BOPE. Nos relacionamentos, uma coisa que o Alan Mocellim ensina é que se você tem valores mais próximos da outra pessoa, o relacionamento é melhor. Se você nem sabe quais os valores é aí que começam os problemas.
Persistir, ser resiliente, insistir, continuar. O Daniel Martins de Barros pergunta se isso não é um engano, se isso não é uma teimosia. No meu caso na faculdade foi. O Alan Mocellim não trata disso diretamente, mas relacionamentos abusivos e tóxicos que perduram por tempo demais. Muitas vezes o problema é esse: se você não sabe quais valores tem ou tem uma distorção cognitiva grande e valores distorcidos, fica teimando em continuar um relacionamento que já deveria ter acabado. No BOPE quem continua aquele treinamento do inferno não são os teimosos, mas os que tem valores compatíveis com o BOPE. Eu diria que no vestibular também. Ficar insistindo demais num curso e não ser aprovado, quem sabe não seja hora de pensar em outro caminho que não aquele que você está tentando e não conseguindo. Se não tem paixão nem necessidade, então tem o que? O meu site de design de níveis ao menos indica um mínimo de paixão. Porém, paixão sozinha é insuficiente. Falta a determinação e disciplina.
Respondendo à pergunta do início: no momento da publicação deste texto não tenho um portfólio feito e isso é o mínimo, a menor competência como diria o Pedro Calabrez. A lição / dever de casa como se diz na escola. Contratar alguém que não fez o mínimo? Eu? Fazer o mínimo não garante nada, mas aumenta as chances consideravelmente. Não fazer o mínimo é depender exclusivamente da sorte. Eu diria não apenas sorte, mas é querer acreditar num milagre mesmo e da pior forma. Se você assistir o vídeo do Thiago Klafke e achar que foi pura sorte o convite da Blizzard logo depois da bisavó dele falecer, estará ignorando muitos outros fatores e não só isso. O vídeo é um recorte, não é uma recapitulação de uma vida inteira.
Tem algumas questões de psicologia que dizem respeito a se achar insuficiente, cobrança excessiva, perfeccionismo, obsessões, se culpar, se questionar, mas isso já foge demais do assunto. Eu também não teria competência para discutir aqui.
Referências (inglês)
- Getting my DREAM job in the GAMES INDUSTRY was... HARD! - Thiago Klafke
- Championship Behaviors - Hugh McCutcheon (ele derrotou o Bernardinho na China em 2008)
- Why winning doesn't always equal success - Valorie Kondos Field
Os métodos do Hugh McCutcheon são bem diferentes dos métodos do Bernardinho. Porém, se você comparar os valores por trás, são bastante parecidos.
As conclusões do Thiago Klafke's são muito condizentes com o Pedro Calabrez, Daniel Martins de Barros e o Peter Jordan.
O discurso da Valorie Kondos é bastante semelhante ao de Hugh McCutcheon. Os valores são praticamente os mesmos. Em muitos pontos é praticamente o oposto do BOPE, mas quando o assunto é guerra não existe gentileza. De todas as fontes ela é a mais compassiva e amável. A maneira com que ela trata os atletas é bem diferente dos métodos do Bernardinho.
Referências (português)
- Vida fácil? Essa é a verdadeira realidade de um milionário - Peter Jordan
- Alan Mocellim
- Construindo uma tropa de elite - Paulo Storani
- Estabelecendo a cultura da excelência - Bernardo Rezende
- Escola paulista de contas públicas - Palestra Bernardo Rezende
- Sorte ou talento: o que é melhor pra ter sucesso? - Daniel Martins de Barros
- 4 segredos das pessoas sortudas - Daniel Martins de Barros
- Persistência ou teimosia: qual a diferença? - Daniel Martins de Barros
- Ninguém é insubstituível? - Mario Sergio Cortella
- Treinando para uma luta de karatê contra o irmão - Lyoto Machida
- A história dos 3 funcionários - Renato Cariani
- O maior hate que Renato Cariani tomou na vida - Renato Cariani
- Seja assim e todos te verão como líder! - Renato Cariani
- Isso está te impedindo de crescer na vida - Pedro Calabrez
- Como mudar a sua vida em 1 ano - Pedro Calabrez
- Minha jornada (parcial) para ser um designer de níveis - Henry Yuki
- Arte de Ambientes x Design de Níveis x Escrever. O Ego me cegou - Henry Yuki
Mário Sergio Cortella. Eu perdi a conta de quantas vezes ouvi ele na CBN radio. One of the best communicators in the country.
Lyoto Machida. Eu nunca o conheci antes e nunca acompanhei MMA. Porém ele tem valores muito fortes.
Eu mencionei o BOPE, mas não conheço os valores deles, então não posso concordar or discordar deles.
Eu conheci o Renato Cariani através de vídeos sobre nutrição que apareceram. Ele tem uma mentalidade tanto de atleta quanto de empresário. A história dele é mais um exemplo de fazer o que precisa ser feito.
Paulo Storani has a war mentality because the public security problem is indeed a war with many deaths. But he has very similar values to Bernardinho as well.
BOPE - translates to "Special Force Operations Squad". An elite squad within the police.