Caminhos ou rotas demais

From Henry's personal library

Eu acho que este é o ponto de partida para grande parte das pessoas que estão fazendo um nível multijogador pela primeira vez. Principalmente quando é do tipo arena. Eu tenho que admitir que quando tentei criar níveis no começo era do jeito que eu descrevi abaixo. Muitas rotas sem distinção entre si. Eu diria que isso tem relação até com "bloqueio artístico" porque você tem um espaço em branco, mas não sabe o que por lá. Você está querendo fazer muita coisa ao mesmo tempo? Ou não consegue se focar num ponto? Aqui dou algumas ideias na tentativa de resolver o problema de ter rotas demais.

Uma tentação é pensar que mais rotas significam mais possibilidades. Para um nível multijogador pode até significar menos estratégia. Como assim? É sobre foco. Se estamos falando de uma partida onde há objetivos para cumprir, rotas demais para ir e vir criam aberturas demais. Posições demais para defender. Em contrapartida, menos rotas forçam as remanescentes a serem mais significativas. Enquanto menos possibilidades fazem a jogabilidade ser mais focada em táticas mais relevantes. Por sua vez, mesmo os jogadores mais experientes podem jogar de acordo com os pontos fortes de um nível. Rotas demais forçam as táticas a serem menos relevantes porque você está forçando a dispersão dos jogadores por muitas rotas.

Qual a ideia principal por trás deste mapa? É ter muitas escolhas e liberdade para ir para todos os lugares. Os jogadores podem escolher ir pela esquerda, direita, para cima, para baixo. Fica ao gosto do jogador. Parece ótimo, certo? Sim, parece atraente ser livre para ir para esta direção ou aquela outra. Porém, este design é ruim. Você não está se concentrando em nenhum ponto em particular. Primeiro, o design é todo simétrico como se todas as áreas fossem igualmente importantes e igualmente acessíveis. Um design simétrico como este não incentiva o jogo estratégico. Jogadores experientes querem aproveitar os seus próprios pontos fortes num nível, de acordo com o que o nível oferece que eles possam explorar a seu favor.

Vamos quebrar a simetria um pouco. Agora temos quadrados maiores e menores. Assim conseguimos criar corredores mais curtos e mais longos. Alguns espaços mais apertados e outros mais abertos. Isso já suficiente para trazer algum grau de estratégia para a jogabilidade.

Agora que temos um design assimétrico, vamos adicionar dois pontos. Por hora estou ignorando as distâncias e o posicionamento tático num nível mais elaborado.

  • T: Armadilha. Este corredor pode abrigar uma armadilha, como um alçapão e um item que atraia a atenção do jogador.
  • P: Power up. Este ponto poderia abrigar um power up porque quem for pra lá fica vulnerável de todas as direções. Isto é usado com frequência em jogos de tiro do tipo arena.

O que estamos fazendo é adicionando elementos estratégicos deixam um nível mais estratégico, com jogabilidade mais variada e com mais profundidade. Eu posso comparar com cartas de magic. Jogadores mais novos tendem a escolher cartas pelas aparências. Eles julgam o poder das cartas pelas propriedades que mais saltam aos olhos. Uma dessas são números porque é fácil ver que 10 > 5. Porém, em magic temos muito mais variáveis que ampliam a complexidade do jogo. Uma carta que dá mais dano pode ter desvantagens, custar mais mana para jogar e/ou só pode causar dano em condições específicas. Do ponto de vista dos designers a cartas que trazem um grau maior de complexidade têm como público-alvo os jogadores mais experientes. Como traduzir o mesmo conceito para design de níveis? Eu diria que um designer com pouca experiência pensaria de uma forma bem parecida com um jogador inexperiente.

Um nível com design ruim traria uma falta de foco e falta de profundidade. Muito parecido com um jogador inexperiente de magic que não possui bagagem prévia para ver a complexidade por trás de algumas cartas e estratégias. A primeira imagem desta página mostra que ter tudo simétrico é um design ruim porque não há foco em lugar nenhum. Em termos de magic como temos este mesmo problema? Um exemplo: um jogador inexperiente provavelmente pensaria que metade das cartas no seu deck devem ser ofensivas e a outra metade defensivas. Uma divisão 50/50 parece fazer um baralho perfeitamente equilibrado. Não é bem assim. Em magic nunca existe uma estratégia que vence sempre. Eles (Wizards of the Coast) tem diferentes tipos de cartas, magias, cores e não podem fazer todo tipo de carta, cor e estratégia perfeitamente equilibradas. Mesmo que por milagre conseguissem, você não pode esperar que todos os jogadores se dividiram igualmente entre todos os tipos de estratégias e baralhos. No caso de um nível simétrico é natural esperar que a ação se espalhará por igual por todos os espaços do mesmo. Provavelmente não acontecerá, porque os jogadores são humanos e algumas rotas serão mais frequentemente percorridas do que outros.

Suponha que este design representa um nível de CTF (Capture a Bandeira) e que A e B sejam as bases opostas. Temos 5 rotas e cada uma tem um formato diferente. Um outro erro que devo ter cometido muito é pensar "Quero dar mais opções e cada opção varia de acordo com uma jogabilidade diferente". Agora temos o problema do excesso de rotas combinado com o desejo de abraçar o máximo de estilos de jogar ao mesmo tempo. Digamos que queremos uma rota mais curta e ao mesmo tempo mais perigosa e arriscada. Outra que seja mais longa, mas mais segura. Outra que requer mais pulos e habilidade de corrida. Façamos uma matemática de multiplicar as rotas e chegamos a 15 ou 25 combinações! Essa é uma das maneiras que eu, erroneamente, pensava em fazer níveis antigamente. A matemática é uma ferramenta, mas não pode ser usada assim! Menos, frequentemente, é mais. Na figura ao lado eu nem estou contando intersecções entre as rotas!

Como o Magic lida com diferentes estilos de jogar e rotas? No domínio do Magic o que temos são formatos diferentes. Primeiro, os baralhos têm um certo número de cartas. 60 é o mínimo e não há limite máximo. Segundo, temos múltiplos formatos e cada formato têm a sua própria seleção de cartas. Alguns formatos têm uma seleção de cartas maior do que outros. A maioria dos jogadores e incluem-se os iniciantes, sabe que não dá para pôr todas as cartas num baralho. O jogador precisa definir uma estratégia e um conjunto de cartas limitado porque não dá para usar muitas estratégias num único baralho. Em design de níveis isto significa que um nível não pode abraçar todos os tipos de jogadores ao mesmo tempo. Porém, um jogo vem com muitos níveis e cada nível terá como público-alvo algum sub-conjuto de jogadores. Indo além e sim, um jogo também pode sofrer da tentativa de abraçar todos os tipos de jogadores ao mesmo tempo. Mas essa discussão fica para outra página em outro momento.

Eu não tenho muito o que dizer sobre como lidar com tudo isso em termos de design. Eu diria que se você tem muitas ideias, uma das melhores ferramentas é escrever uma lista. Olhe para a lista e provavelmente você notará que algumas ideias são mais complexas, outras muito grandes, outras são difíceis demais, outras devem ser mais demoradas de executar, etc. Comece por aí. Você provavelmente notará conexões entre as ideias e algumas parecerão mais interessantes do que outras. Algumas destas conexões parecerão menos atrativas ou sem muito apelo. Citando Mark Rosewater, as restrições alimentam a criatividade. Você consegue identificar quais ideias são essenciais para um nível? Você consegue destacar quais ideias podem ser deixadas de fora? Para dar um exemplo prático: um nível de CTF focado em veículos não ficaria muito legal de se jogar se tentássemos abraçar tanto corredores estreitos quanto armadilhas, pensando em muitos tipos diferentes de jogadores.