Espaços vetoriais finitamente gerados
Após estudar a dependência linear e os subespaços vetoriais, algumas perguntas naturais são: um vetor pode ser ou não ser combinação linear de outros vetores. Um conjunto de vetores pode ser linearmente independente ou linearmente dependente. Um conjunto de vetores linearmente independentes tem uma definição? Um subespaço vetorial é gerado por qualquer conjunto de vetores?
Alguns livros definem conjuntos geradores junto da definição de uma base, enquanto outros põe um capítulo à parte para descrever conjuntos geradores. Informalmente, se um certo número de vetores é capaz de produzir uma combinação linear que corresponda a um vetor num espaço vetorial, estamos falando de um conjunto gerador. Um certo cuidado na definição é a de que a quantidade de vetores que formam o conjunto gerador é limitada, mas a quantidade de combinações lineares é ilimitada. Por ex: com apenas três vetores linearmente independentes podemos encontrar qualquer vetor no espaço tridimensional.
Espaço vetorial finitamente gerado: um espaço vetorial [math]\displaystyle{ \text{V} }[/math] é finitamente gerado se existe [math]\displaystyle{ \text{S} \subset \mathbb{V} }[/math], [math]\displaystyle{ \text{S} }[/math] finito, de maneira que [math]\displaystyle{ \mathbb{V} = [\text{S}] }[/math]. Em outras palavras, eu tenho um espaço vetorial [math]\displaystyle{ \mathbb{V} }[/math], um subespaço [math]\displaystyle{ \text{S} }[/math] e um subconjunto finito [math]\displaystyle{ \text{A} = \{u_1, \; u_2, \; \dots, u_n \} }[/math] de [math]\displaystyle{ \mathbb{V} }[/math]. Se os vetores de [math]\displaystyle{ \text{A} }[/math] geram o mesmo subespaço de [math]\displaystyle{ \text{S} }[/math], tenho [math]\displaystyle{ [\text{A}] \subset \text{S} }[/math]. Por outro lado, se todo vetor de [math]\displaystyle{ \text{S} }[/math] é uma combinação linear dos vetores de [math]\displaystyle{ \text{A} }[/math], tenho [math]\displaystyle{ \text{S} \subset [\text{A}] }[/math]. Ou seja, [math]\displaystyle{ [\text{S}] = [\text{A}] }[/math].
Atenção na notação! Quando se diz [math]\displaystyle{ \mathbb{V} = [\text{S}] }[/math], o espaço vetorial [math]\displaystyle{ \mathbb{V} }[/math] é igual ao subespaço gerado por [math]\displaystyle{ \text{S} }[/math], não ao conjunto de vetores que geram [math]\displaystyle{ \text{S} }[/math]!
Existem espaços que não são finitamente gerados, mas não existe a definição "espaço vetorial infinitamente gerado". Para um curso introdutório os espaços que não são finitamente gerados não são estudados.
Observação: a notação entre chaves "{ }" indica um conjunto qualquer. A notação entre colchetes "[ ]" indica um subespaço vetorial. Isso vale para livros em português editados no Brasil.
Convenção: o conjunto vazio é gerador do subespaço nulo. Assim [math]\displaystyle{ \{ \emptyset \} = [0] }[/math].
Um exemplo prático de dois subespaços que não são iguais
Seja [math]\displaystyle{ \text{S} = [(1, \; 0, \; 0), \; (0, \; 1, \; 0), (1, \; 1, \; 0)] \subset \mathbb{R}^3 }[/math]. [math]\displaystyle{ [\text{S}] \subset \mathbb{R}^3 }[/math]. Porém, como os vetores de [math]\displaystyle{ \text{S} }[/math] são LD e geram um plano, temos que [math]\displaystyle{ [\mathbb{R}^3] \not\subset \text{S} }[/math].
O espaço [math]\displaystyle{ \mathbb{V} }[/math] dos vetores em [math]\displaystyle{ \mathbb{R}^3 }[/math] é finitamente gerado por uma terna fundamental [math]\displaystyle{ {\overrightarrow{e}_x, \; \overrightarrow{y}_x, \; \overrightarrow{e}_z} }[/math]. [math]\displaystyle{ \forall u, \; \exists \; a,b,c \in \mathbb{R} }[/math], de maneira que [math]\displaystyle{ \overrightarrow{u} = a \overrightarrow{e}_x + b \overrightarrow{e}_y + c \overrightarrow{e}_z }[/math].
O espaço das matrizes 2 x 2, denotado por [math]\displaystyle{ \mathbb{M}_2(\mathbb{R}) }[/math] é finitamente gerado. O conjunto
[math]\displaystyle{ \text{S} = \left\{ \left[ \begin{matrix} 1 & 0 \\ 0 & 0 \\ \end{matrix} \right], \left[ \begin{matrix} 0 & 1 \\ 0 & 0 \\ \end{matrix} \right], \left[ \begin{matrix} 0 & 0 \\ 1 & 0 \\ \end{matrix} \right], \left[ \begin{matrix} 0 & 0 \\ 0 & 1 \\ \end{matrix} \right] \right\} }[/math] gera [math]\displaystyle{ \mathbb{M}_2(\mathbb{R}) }[/math] já que, [math]\displaystyle{ \forall a,b,c,d \in \mathbb{R}, }[/math]
[math]\displaystyle{ \left[ \begin{matrix} a & b \\ c & d \\ \end{matrix} \right] = a \left[ \begin{matrix} 1 & 0 \\ 0 & 0 \\ \end{matrix} \right] + b \left[ \begin{matrix} 0 & 1 \\ 0 & 0 \\ \end{matrix} \right] + c \left[ \begin{matrix} 0 & 0 \\ 1 & 0 \\ \end{matrix} \right] + d \left[ \begin{matrix} 0 & 0 \\ 0 & 1 \\ \end{matrix} \right] }[/math]
Neste exemplo é fácil identificar quem são os elementos fundamentais que geram todo o espaço.
[math]\displaystyle{ \mathbb{R}^n }[/math] é finitamente gerado.
Em [math]\displaystyle{ \mathbb{R}^3 }[/math] um conjunto fundamental que gera o espaço é [math]\displaystyle{ \text{S} = \{(1, \; 0, \; 0), \; (0, \; 1, \; 0), \; (0, \; 0, \; 1) \} }[/math]. Generalizando para [math]\displaystyle{ \mathbb{R}^n }[/math], temos [math]\displaystyle{ \text{S} = \{(1, \; 0, \; \dots, \; 0), \; (0, \; 1, \; \dots, \; 0), \; (0, \; 0, \; \dots, \; 1) \} }[/math]. Então [math]\displaystyle{ \mathbb{R}^n = [\text{S}] }[/math], pois [math]\displaystyle{ \text{S} }[/math] gera [math]\displaystyle{ \mathbb{R}^n }[/math].
Observação: não pense aqui que infinito e número muito grande são sinônimos. O conjunto de vetores de [math]\displaystyle{ \text{S} }[/math] é muito grande, mas é finito, pois n é um número inteiro e infinito não é um número. Se [math]\displaystyle{ \mathbb{R}^n }[/math] não fosse finitamente gerado, então a quantidade de elementos de [math]\displaystyle{ \text{S} }[/math] seria infinita. Existiria uma quantidade de elementos tal que a ela não corresponderia um número inteiro. Ou, pensando de outra forma, a quantidade de elementos de [math]\displaystyle{ \text{S} }[/math] é contável pois podemos atribuir a ela um número inteiro. Se assim não o fosse, existiriam mais elementos do que aqueles vetores formados por zeros e uns.
[math]\displaystyle{ \mathbb{P}_n(\mathbb{R}) }[/math] é finitamente gerado.
Os polinômios [math]\displaystyle{ p_0, \; p_1, \; \dots, \; p_n }[/math] dados por [math]\displaystyle{ p_0(t) = 1, \; p_1(t) = t, \; \dots, p_n(t) = t^n, \; \forall t\in \mathbb{R} }[/math] são geradores de [math]\displaystyle{ \mathbb{P}_n(\mathbb{R}) }[/math] uma vez que [math]\displaystyle{ p_0(t) = a_0 + a_1t + \; \dots \; + a_nt^n }[/math] é um elemento de [math]\displaystyle{ \mathbb{P}_n(\mathbb{R}) }[/math], então
[math]\displaystyle{ p = a_0p_0 + a_1p_1 + \; \dots \; + a_np_n }[/math]
Assim como no caso anterior, o conjunto que gera todos os polinômios de grau até n é finito. Observe que como os índices começam do zero, o conjunto tem n + 1 polinômios.
[math]\displaystyle{ \mathbb{R}^{\infty} }[/math] não é finitamente gerado. Numa explicação informal, tome o conjunto de vetores que gera o espaço [math]\displaystyle{ \mathbb{R}^n }[/math]. Se quiséssemos estendê-lo para que ele gerasse [math]\displaystyle{ \mathbb{R}^{\infty} }[/math] não conseguiríamos fazê-lo. Existe aqui um problema de contagem onde a intuição falha: a sequência de coordenadas de cada vetor possui uma quantidade finita de números. No caso do primeiro vetor ela começaria com um e o restante seria de zeros. Mas quando lidamos com infinito, quem é o último elemento? O último vetor gerador do espaço seria um vetor com a primeira coordenada nula, depois uma infinidade de zeros até que a última coordenada seria um. Mas não temos um modo de escrever essa sequência de vetores que geram o espaço [math]\displaystyle{ \mathbb{R}^{\infty} }[/math] explicitamente. Pensando de outra forma, no caso de uma sequência finita de vetores que geram um espaço, sabemos quem é o último, pois a ele corresponde a uma posição inteira na sequência. Mas no caso de uma sequência infinita, se um elemento é dito como o ocupante da última posição e ela é um número inteiro, sempre existirá uma posição seguinte.
Caso ainda restem dúvidas, mais uma forma de tentar explicar. Suponha [math]\displaystyle{ \mathbb{R}^{100} }[/math]. Um conjunto gerador tem aí 100 vetores. Se for n, n vetores. Mas e se for infinito? Então precisamos de infinitos vetores.
[math]\displaystyle{ \mathbb{P}(\mathbb{R}) }[/math] não é finitamente gerado. Pegue o conjunto de polinômios de grau um até n [math]\displaystyle{ \text{S} = \{p_1, \; \dots , p_n\} \subset \mathbb{P}(\mathbb{R}) }[/math]. Todo polinômio de S se escreve como uma combinação linear [math]\displaystyle{ a_1p_1 + \; \dots \; + a_np_n }[/math] e o maior grau é n. Porém, temos que [math]\displaystyle{ \mathbb{P}(\mathbb{R}) }[/math] é o conjunto de todos os polinômios e não apenas os de grau até n. Portanto, existem polinômios de grau maior do que n que não estão no subespaço S. Logo [math]\displaystyle{ \mathbb{P}(\mathbb{R}) \neq [\text{S}] }[/math]. Para gerar todos os polinômios precisamos considerar grau infinito, combinações lineares do tipo [math]\displaystyle{ a_1p_1 + \; \dots \; }[/math]. Curiosamente, a sequência de polinômios considerando o grau infinito é viável de se escrever, pois o que seria o último polinômio seria um com grau infinito.
Com raciocínio análogo o espaço de todas as matrizes tambem não é finitamente gerado. Quando consideramos matrizes m x n não estão inclusas matrizes com infinitas linhas e colunas.
Caso não tenha entendido, mais uma forma de explicar. Se estamos considerando o grau n, n pode ser um número grande, por exemplo 1 trilhão. O polinômio pode ter 1 trilhão de termos, que é uma quantidade finita. Mas sempre podemos adicionar mais um e ter um grau acima. Agora quando tratamos do infinito, precisamos de infinitos termos para formar um polinômio de grau infinito e o processo de acrescentar mais um para aumentarmos o grau é infinito.