Discussão informal de limites e continuidade de funções de uma variável

From Applied Science

(sem escala)

O que significa calcular um limite? A ideia intuitiva de um limite é a de uma borda. Em algum momento na escola aprendemos a resolver inequações e as respostas geralmente são um intervalo de valores, como [1, 7] ou ]0, 2[. Um intervalo fechado significa que a variável pode assumir qualquer valor do intervalo, incluindo a borda. Um intervalo aberto significa que o valor da borda não vale, é excluído dos valores aceitos. Outra maneira de pensar. Suponha que pegamos um número e o dividimos por 2 e repetimos o processo quantas vezes quisermos. Sabemos que o resultado será cada vez menor, mas nunca menor do que zero. Esta é a noção intuitiva do limite.


A respeito da notação:

[math]\displaystyle{ \lim_{x \ \to \ a} f(x) = L }[/math]

Conforme [math]\displaystyle{ x }[/math] se aproxima de [math]\displaystyle{ a }[/math]. [math]\displaystyle{ f(x) }[/math] se aproxima de [math]\displaystyle{ L }[/math]. Para este nível de cálculo o que estaremos fazendo é entrando com variáveis cada vez mais próximas de [math]\displaystyle{ a }[/math] e observando o comportamento de [math]\displaystyle{ f(x) }[/math]. Se o limite estiver convergindo para [math]\displaystyle{ f(a) }[/math]. Então maravilha, podemos calcular o valor da função ali e ele será igual ao limite. Caso contrário, com a divergência para outro valor, temos alguma quebra no gráfico da função. Não é a maneira mais rigorosa de explicar, mas é o bastante para o momento.

Uma questão natural pode surgir aqui: e quanto à velocidade com que nos aproximamos de [math]\displaystyle{ a \ ? }[/math] Isto é mais uma preocupação física do que matemática. Em cálculo a nossa única preocupação é com a existência do limite. Se aquele ponto é atingível ou não é uma outra questão.

Alguns exercícios tentam nos enganar com uma função definida por partes (ramos em Portugal). Suponha que um caso define a função para [math]\displaystyle{ f(0) = 0 }[/math]. O outro caso define que [math]\displaystyle{ f(x) = 1/x }[/math]. O que acontece se calcularmos o limite para [math]\displaystyle{ x \ \to \ 0 \ ? }[/math] Não seja enganado por [math]\displaystyle{ f(0) = 0 \ !! }[/math] O limite esta levando a variável independente o mais próximo possível que pudermos do zero, mas apenas um pequeno passo antes do zero.

Limites da intuição: (trocadilho) os limites mais difíceis de calcular são aqueles que desafiam a intuição. Por exemplo: [math]\displaystyle{ \lim_{x \to 0} \ \frac{\sqrt{x^2 + 9} - 3}{x^2} }[/math]. Se calcularmos [math]\displaystyle{ x = 10^{-10} }[/math], o valor parece convergir para zero. Porém, se resolvermos o limite analiticamente, não numericamente, o resultado deverá ser [math]\displaystyle{ 1/6 }[/math]. As máquinas não tem precisão infinita. O erro origina-se em [math]\displaystyle{ \sqrt{9.000...1} = 3 }[/math]. Erros de arredondamento são um dos problemas fundamentais dos métodos numéricos.

O outro caso que desafia a intuição são limites que não existem, mas mesmo assim estão dentro de uma faixa de valores conhecidos. É o caso de [math]\displaystyle{ \sen(1/x) }[/math] por exemplo. Sabemos que [math]\displaystyle{ -1 \lt \sen(x) \lt 1 }[/math]. Quando [math]\displaystyle{ x \to 0 }[/math], [math]\displaystyle{ \sen(1/x) }[/math] pode assumir qualquer valor entre -1 e 1, sem nunca convergir para um valor fixo. Sabemos que a função é limitada entre dois valores fixos, mas entre eles ela nunca "fica parada". Este conceito é importante. Quando temos produtos de funções e uma delas é limitada, sabemos que qualquer que seja o valor que a função limitada assumir, não será infinito. Este raciocínio é o que está por trás do teorema do confronto.

Discussão sobre continuidade

O que significa algo ser contínuo? Sem recorrer a uma definição matemática precisa, a propriedade de ser contínuo(a) significa que algo não tem espaços ou quebras entre o seu ponto inicial e o final. Pense na água. Na escola aprendemos que a água, no nível molecular, é composta por uma grande quantidade de moléculas. A água é um fluido contínuo, sem espaços entre as moléculas de água (estou ignorando medidas do tamanho de átomos ou moléculas). Por sua vez a neve ainda é feita de água, mas há muito espaço livre entre cada floco de neve. A neve não é contínua. Vamos pensar agora sobre a chuva. Podemos dizer que "esta chovendo continuamente nos últimos dias". A água, na forma de gotas, é descontínua. Para a vida diária não precisamos de uma definição de continuidade. Já para a matemática precisamos de uma definição que não permita a confusão entre continuidade com descontinuidade.


O gráfico A é de uma função contínua. O gráfico B é de uma função descontínua. Agora cuidado! Ser contínua não significa a mesma coisa que ser suave. Observe o gráfico de [math]\displaystyle{ f(x) = |x| }[/math]. Na origem ele não é suave, mas é contínuo. O oposto também pode acontecer, uma função que é uma linha reta e mesmo assim é descontínua em alguns pontos. Exemplo: [math]\displaystyle{ f(x) = \frac{x^2 - 1}{x - 1} }[/math] tem claramente um ponto onde a divisão por zero ocorre, mas o gráfico é uma linha reta contínua. Podemos pensar sobre a descontinuidade em termos físicos. Suponha que um objeto em [math]\displaystyle{ t = 1s }[/math] tem uma velocidade de [math]\displaystyle{ 10 m/s }[/math]. Agora em [math]\displaystyle{ t = 1.0000...1s }[/math] a velocidade mudou para [math]\displaystyle{ 1000 m/s }[/math]. É fisicamente plausível que a velocidade de um objeto cresça tão rapidamente em tão pouco tempo? Aceleração infinita não existe e isto se traduziria em [math]\displaystyle{ \tan(\pi/2) }[/math] neste caso. Acabamos de discutir o conceito da derivada, que é um caso especial de limite.


Uma questão natural surge quando pensamos sobre a continuidade. Uma função pode ser descontínua num ponto. Podemos ter uma função que seja descontínua em todos os seus pontos? Tal função existe e é fácil de definir. Seja uma função definida por casos (ramos em Portugal) onde [math]\displaystyle{ x }[/math] possa assumir os valores 1 ou 0 dependendo de [math]\displaystyle{ x }[/math] ser um racional ou irracional. Sem entrar em detalhes de provas, suponha que temos dois números [math]\displaystyle{ a }[/math] e [math]\displaystyle{ b }[/math] tais que [math]\displaystyle{ b \gt a }[/math]. Suponha que [math]\displaystyle{ a }[/math] seja racional. [math]\displaystyle{ b }[/math] é racional ou irracional? Podemos provar que entre dois racionais sempre há um irracional. O contrário também é verdade, entre dois irracionais sempre há um racional. Isto significa que entre dois pontos da função temos sempre um espaço, a função nunca é contínua. Não importa quão pequena seja a diferença entre dois racionais ou dois irracionais, nunca teremos dois racionais ou dois irracionais consecutivos.

Uma discussão informal do teorema acima: pegue o número [math]\displaystyle{ \pi }[/math]. Agora adicione um. Temos aí dois irracionais, 3.14... e 4.14... Qual racional pode estar no meio dos dois? 3.5 por exemplo. Você consegue ver que entre 3.14... e 3.5 devem existir infinitos racionais e irracionais? Entre dois racionais ou irracionais quaisquer podemos subdividir o intervalo em partes cada vez menores e sempre conseguir um número no meio. Estamos aqui desconsiderando a questão da quantidade, se há mais irracionais ou mais racionais. Contar a quantidade de elementos num conjunto é um outro problema.

Pode uma função ter muitos pontos onde ela é descontínua, mas não em todos os seus pontos como no caso acima? Divida a função por um seno ou cosseno, em todos os pontos onde ocorrer uma divisão por zero a função ficará indefinida. Esta é uma função com uma quantidade infinita de descontinuidades, mas não em todos os pontos. Ainda é uma função contínua se considerarmos o seu domínio.

Uma questão sobre a continuidade: esta função ou aquela função é contínua? Estamos falando de todo o conjunto dos números reais ou apenas do domínio da função (um subconjunto de todos os reais)? Esta questão surge bastante porque quando dizemos que uma função é contínua, não é exatamente a mesma coisa que dizer que a função não tem nenhuma descontinuidade. Pegue por exemplo a função do exemplo acima que é descontínua em todos os seus pontos. Naquele caso específico, dizer que ela não é contínua é um sinônimo.

Continuidade na física, economia e outros campos

Na maior parte do tempo, num curso de cálculo, estamos fazendo contas com funções que podem ou não representar algum processo qualquer. Uma pergunta interessante é se estes processos são ou não contínuos. Pegue a velocidade por exemplo. Quando algo muda de velocidade de um valor para outro, o processo de mudança de velocidade é suave e cobre todos os valores intermediários. Agora pense em quantidades que são contadas com inteiros: pessoas, planetas ou o número de crimes. Meia pessoa ou meio planeta não existe. Um crime ou acontece ou não. Este conceito geralmente é deixado para a estatística e há casos em que podemos tratar uma variável como sendo contínua ou não dependendo das nossas necessidades. Por exemplo a idade. 1 ano ou 2 anos. Podemos contar 1.5 ano de idade e isto depende do experimento ou modelo. Se precisamos dos valores intermediários ou não.

Sobre a física. Na maior parte do tempo quase todas as teorias que aprendemos em física dependem do fato de que unidades de tempo, espaço e massa (as unidades fundamentais) são todas contínuas. Podemos subdividir sem limites. Quando vamos discutir o significador de, digamos, 1 segundo dividido por 1 trilhão. Ou qual é a massa de um átomo dividida por 1000? Aí chegamos na filosofia. Dinheiro por exemplo: não estamos preocupados com quantidades como 1$ dividido por 1000. Ou a taxa de juros, não nos preocupamos com taxas de 1.000000001%.

O conceito de uma função discreta geralmente é deixado para um curso de estatística. Em cálculo estamos mais preocupados com processos contínuos e usar uma função contínua é normalmente aceitável.

Introdução aos limites laterais

Observe como [math]\displaystyle{ g(a) \neq g(a) - c }[/math] não condiz com o fato de que [math]\displaystyle{ a }[/math] é único e que [math]\displaystyle{ c \gt 0 }[/math]. Isto só pode significar que há mais de um argumento, mas os dois são tão próximos um do outro que o gráfico errado "fundiu" ambos em um só. O gráfico é intencionalmente errado e exagerado para mostrar que uma função não pode ter dois valores diferentes para o mesmo argumento. Isso viola a definição de uma função. Se pudermos "ampliar" aquele ponto, o que veremos é que existe um pequeno espaço entre [math]\displaystyle{ a }[/math] e [math]\displaystyle{ b }[/math]. É assim que muitos professores e livros que eu conheço explicam o que significa uma função ser descontínua num ponto.

Suponha que a distância entre [math]\displaystyle{ a }[/math] e [math]\displaystyle{ b }[/math] é algo bem pequeno, mas não nulo. Se escolhermos qualquer [math]\displaystyle{ x \lt b }[/math], o limite esta convergindo para [math]\displaystyle{ g(b) }[/math]. Se escolhermos qualquer [math]\displaystyle{ x \gt a }[/math], o limite esta convergindo para [math]\displaystyle{ g(a) }[/math]. Com [math]\displaystyle{ g(a) \neq g(b) }[/math] a única conclusão possível é que a função é descontínua ali.

Agora podemos escrever os limites com um conceito adicional:

[math]\displaystyle{ \lim_{x \ \to \ a^+} f(x) = L_{1} }[/math]

[math]\displaystyle{ \lim_{x \ \to \ a^-} f(x) = L_{2} }[/math]

Estamos calculando limites, mas agora o caminho importa. Podemos aproximar [math]\displaystyle{ a }[/math] pela direita ou pela esquerda. Se ambos os caminhos convergirem para o mesmo valor, então o limite existe. Caso contrário, se [math]\displaystyle{ L_1 \neq L_2 }[/math] o limite não existe naquele ponto.

Qual a diferença entre um limite e os limites laterais? Conceitualmente, nenhuma. É apenas uma questão que o primeiro é uma idea mais geral e o segundo divide a ideia geral em dois casos, o que faz os limites laterais serem mais precisos. Caso estejamos calculando derivadas pela definição, os limites laterais mostram que, às vezes, a função é contínua mas não diferenciável. Isto ocorro porque os coeficientes angulares à esquerda e à direita são diferentes.

Para duas variáveis a ideia é basicamente a mesma, exceto que temos um círculo completo ao redor de um ponto. Com uma círculo não temos mais apenas esquerda ou direita, mas todas as direções possíveis. Para três ou mais variáveis fica inviável de visualizar os caminhos porque o domínio é um espaço 3D e a função fica no hiperespaço.