Discussão formal de limites e continuidade de funções de uma variável
A discussão dos limites laterais foi um passo dado na direção de uma definição mais precisa de limite. A ideia fundamental usa o módulo, porque estamos tratando de distâncias entre pontos que estão infinitamente próximas do zero. Calcular o limite num ponto é bastante natural. O limite converge para um valor ou não. Estenda o mesmo conceito para todos os pontos do domínio de uma função. Se o limite existe e corresponde ao valor da função e isso ocorre em todo o domínio da função, temos o conceito da continuidade de uma função. Na grande maioria dos exercícios de cálculo as descontinuidades envolvem divisão por zero, raiz de número negativo ou o log de números negativos. A maioria dos exercícios apresenta apenas um ponto onde a função é descontínua.
(O gráfico não tem escala. Não seja enganado pensando que [math]\displaystyle{ |L \pm \epsilon| = |a \pm \delta| \ !! }[/math])
Primeiro, as letras gregas [math]\displaystyle{ \delta }[/math] (delta minúsculo) e [math]\displaystyle{ \epsilon }[/math] (epsilon). Na Física a letra [math]\displaystyle{ \Delta }[/math] (delta maiúscula) é frequentemente usada para indicar distâncias ou variações como em "velocidade média". O [math]\displaystyle{ \epsilon }[/math], por razões históricas, foi associado com "erro". Neste caso a diferença entre dois valores da função muito próximos entre si. [math]\displaystyle{ \delta }[/math] é uma pequena distância, à esquerda e à direita, de [math]\displaystyle{ a }[/math].
A razão para [math]\displaystyle{ L }[/math] no gráfico no lugar de [math]\displaystyle{ f(a) }[/math] é que a função pode ser indefinida ali, mesmo assim o limite existe no ponto. Se [math]\displaystyle{ L = f(a) }[/math], então poderíamos ter escrito [math]\displaystyle{ f(a \pm \delta) }[/math] no lugar de [math]\displaystyle{ L \pm \epsilon }[/math]. Não o fiz para não confundir caso tivéssemos [math]\displaystyle{ L \neq f(a) }[/math].
Vamos tirar proveito da visualização do domínio da função numa reta numerada de novo. [math]\displaystyle{ a }[/math] é qualquer ponto do domínio da função. [math]\displaystyle{ a \pm \delta }[/math] é o menor passo possível para a direita ou para a esquerda de [math]\displaystyle{ a }[/math]. Reciprocamente, [math]\displaystyle{ \epsilon }[/math] é o menor erro possível a partir de [math]\displaystyle{ L }[/math]. Vamos escolher um [math]\displaystyle{ x }[/math] em qualquer lugar dentro daquele intervalo, com a exceção de que [math]\displaystyle{ x \neq a }[/math] porque [math]\displaystyle{ f(a) }[/math] pode não estar definido. Escolhido o [math]\displaystyle{ x }[/math], [math]\displaystyle{ f(x) }[/math] "cai" em qualquer lugar no intervalo [math]\displaystyle{ L \pm \epsilon }[/math], exceto por [math]\displaystyle{ f(a) }[/math]. O raciocínio anterior pode ser escrito com a seguinte notação:
[math]\displaystyle{ \text{se} \ 0 \lt |x - a| \lt \delta \implies |f(x) - L| \lt \epsilon }[/math]
É a definição formal de um limite. A distância entre a imagem da função e o limite pode ser reduzida infinitamente. Escolhemos um ponto tal que calculando a função para o ponto nos trará para bem perto do limite. A distância entre este ponto e o ponto onde o limite esta pode ser reduzida infinitamente.
Podemos ver claramente no gráfico da função que o módulo, a distância entre [math]\displaystyle{ a }[/math] e [math]\displaystyle{ x }[/math], também pode ser escrita assim:
[math]\displaystyle{ \text{se} \ a - \delta \lt x \lt a + \delta \implies L - \epsilon \lt f(x) \lt L + \epsilon }[/math]
Acabamos de usar uma das propriedades do módulo, esta aqui: [math]\displaystyle{ |a| \lt b \iff -b \lt a \lt b }[/math].
Observação: os livros explicam assim "dado um [math]\displaystyle{ \epsilon \gt 0 }[/math], existe um (ou temos um) [math]\displaystyle{ \delta \gt 0 }[/math] tal que ...". Admito que me levou muito tempo para conseguir entender porque a explicação era tão confusa ou difícil. Suponha que um exercício te dê uma função que representa Velocidade x Tempo. Se conhecemos o gráfico ou a função e nos é dado [math]\displaystyle{ t = x \ s }[/math]. Então podemos achar a velocidade porque sabemos o instante de tempo. A definição formal de um limite nos diz que temos um epsilon dado, que é o erro que se comete na aproximação do limite da função num ponto. Como a função é contínua, sempre podemos achar um delta tal que calculando a função para aquele delta, o valor da função será muito próximo do limite para aquele ponto. De outra forma, se o delta não nos levar às proximidades do limite, o limite não existe. Não importa quão pequeno o epsilon é, sempre haverá um delta correspondente. Da mesma forma que a velocidade depende do tempo, o delta depende do epsilon.
Se você não entendeu muito bem a ideia do epsilon e delta, vou tentar isto: vamos chamar o epsilon de margem de erro. Digamos que temos uma margem de erro de 1% (estou pensando com a estatística). Digamos que o limite da função seja 10 em [math]\displaystyle{ x = 5 }[/math]. Uma margem de erro de 1% significa que estamos aceitando valores dentro do intervalo [10 - 1%, 10 + 1%]. Agora falta explicar o delta. É um número muito próximo de 5, tal que, se calcularmos [math]\displaystyle{ f(5 \pm \delta) }[/math], o resultado nunca será um número maior do que 10 + 1% ou menor do que 10 - 1%. Podemos reduzir a margem de erro para 0.1%, 0.001% e além, indefinidamente. Sempre haverá um número próximo de 5 tal que, calculando o valor da função para aquele número, sempre estaremos dentro da margem de erro.
A definição é bastante abstrata porque lida com o conceito do infinitamente próximo de um número. [math]\displaystyle{ \epsilon }[/math] representa o menor erro possível, a distância entre o valor verdadeiro e uma aproximação deste. [math]\displaystyle{ \delta }[/math] representa um número tal que calculando a função para aquele número, o resultado será um valor que estará próximo do limite teórico da função naquele ponto. Observe como a margem de erro deve ser positiva. Não faz sentido ser negativa porque ou você esta distante do valor verdadeiro por um valor positivo ou a distância é nula e o erro é nulo. Espero que assim tenha ficado mais claro esta definição que é bastante abstrata.
Preste atenção que toda a explicação feita aqui esta considerando um limite que não seja o próprio infinito. Quando um limite existe e é um número, a função é dita contínua ali. Porque se o limite existe mas é infinito, a função não pode ser contínua lá.
Definição formal de continuidade
Antes de dá-la vou discutir um problema. Suponha que temos uma função [math]\displaystyle{ f }[/math] que é definida como sendo igual a 100 (Estou usando um número grande apenas para deixar claro que o espaço é bem grande) se a variável independente for um número racional. Ou 0 se a variável independente for irracional. Vamos ver o que acontece se tentarmos calcular os limites laterais. Vamos suporta que [math]\displaystyle{ a }[/math] é racional, então [math]\displaystyle{ f(a) = 100 }[/math].
[math]\displaystyle{ \lim_{x \ \to \ a^{+}}f(x) }[/math]. Agora [math]\displaystyle{ a + \delta }[/math], com [math]\displaystyle{ \delta }[/math] sendo racional a soma resulta num número racional. Entre o [math]\displaystyle{ \delta }[/math] e o [math]\displaystyle{ a }[/math] há um irracional porque há um teorema que afirma isto. Mas a função esta definida como sendo 0 para números irracionais. Então o limite não pode ser 100. Agora se [math]\displaystyle{ \delta }[/math] for irracional, a soma é irracional. Entre um irracional e um racional não pode existir um número que seja ambos ao mesmo tempo. Temos uma contradição. Conforme nos aproximamos de [math]\displaystyle{ a }[/math] pela direita, o limite não pode ser 0 e 100 ao mesmo tempo. Repita para o lado esquerdo e o mesmo problema aparece. A conclusão é a de que esta função esta definida para todos os reais, mas o limite não existe em nenhum ponto. Logo, esta função é descontínua em todos os seus pontos.
Para cada [math]\displaystyle{ \epsilon }[/math] dado, há um [math]\displaystyle{ \delta \gt 0 }[/math] ([math]\displaystyle{ \delta }[/math] depende de [math]\displaystyle{ \epsilon }[/math]), tal que [math]\displaystyle{ f(x) }[/math] é limitado por [math]\displaystyle{ f(a) - \epsilon }[/math] e [math]\displaystyle{ f(a) + \epsilon }[/math]. Enquanto [math]\displaystyle{ x }[/math] é limitado por [math]\displaystyle{ a - \delta }[/math] e [math]\displaystyle{ a + \delta }[/math]. Com [math]\displaystyle{ x }[/math] pertecendo ao domínio da função.
A diferença entre a definição acima e a definição formal do limite é que aqui queremos que o limite seja igual ao valor da função naquele ponto. Na definição formal do limite queremos saber se o limite existe, o que pode ou não coincidir com um ponto no gráfico da função.
O teorema do confronto
Se você olhar para a definição formal de um limite de novo, as bordas da esquerda e da direita podem muito bem serem funções. Este é o conceito deste teorema. Qualquer ponto no plano pode ter infinitas funções que passam por ali. Em particular, podemos colocar uma função entre outras duas. Em essência estaremos "esmagando" ou "comprimindo" a função entre dois valores conhecidos de outras duas funções. Veja que as funções que colocamos como limitadoras devem ter limites que convergem para aquele ponto. Se os limites destas funções divergirem para infinito não fará sentido. Apesar do gráfico mostrar [math]\displaystyle{ h }[/math] e [math]\displaystyle{ g }[/math], respectivamente acima e abaixo de [math]\displaystyle{ f }[/math]. Nossa única preocupação é com a vizinhança de [math]\displaystyle{ x = a }[/math]. Não é necessário que [math]\displaystyle{ g }[/math] esteja sempre abaixo e [math]\displaystyle{ h }[/math] sempre acima de [math]\displaystyle{ f }[/math].
Este teorema é necessário quando a intuição falha e não conseguimos ter certeza sobre a função convergir ou não para um certo valor num certo ponto.
[math]\displaystyle{ \text{se} \ g(x) \leq f(x) \leq h(x) }[/math] [math]\displaystyle{ \lim_{x \ \to \ a} g(x) = \lim_{x \ \to \ a} h(x) = L \implies \lim_{x \ \to \ a} f(x) = L }[/math]
Os livros que eu tenho não mostram, mas estendendo para funções de duas variáveis teríamos o mesmo conceito. Exceto que é muito mais difícil de visualizar em 3D.