Resolvendo o quebra-cabeças da procrastinação
Nota: As partes do texto separadas com uma barra horizontal é porque a parte de cima é resumo do livro e a de baixo comentários meus.
Se você está lendo este livro, provavelmente é porque está procrastinando algo na vida. O livro é fruto de pesquisas na área da psicologia e cada capítulo tem fundamentos bem sólidos. O autor escreve muito sobre psicologia no site Psychology Today e também grava muitos podcasts. O livro apresenta as mesmas ideias que o autor já escreve no blog e grava nos podcasts, mas organizados e condensados para fácil leitura. O livro é curto porque menos é mais.
Muitos dos conceitos discutidos neste livro têm relação com transtornos de personalidade e mesmo outros transtornos. A procrastinação em si pode ser parte de personalidades diversas, até mesmo de paranoias e delírios. Se você pesquisar por transtornos como o obsessivo compulsivo, o TDAH, o comportamento passivo agressivo e mesmo a personalidade narcisista, muita coisa desse livro tem intersecção com diversos tipos de transtornos. Em se tratando de dissonância cognitiva, todos os transtornos de personalidade apresentam dissonância cognitiva.
Grupo de pesquisa sobre procrastinação: http://www.procrastination.ca
O que é procrastinação? Por que isto importa?
O autor faz uma diferenciação entre a procrastinação e os atrasos que não são procrastinação. Aquilo que você conscientemente decide não fazer ou fazer mais tarde, isso é procrastinação. Aquilo que está fora do seu controle, como por exemplo uma doença ou um acidente não é procrastinação. Todas as pessoas precisam ter prioridades e algumas coisas são mais importantes do que outras. Quando aquilo que é importante é deixado para depois quando não deveria, temos a procrastinação. Existe um lado psicológico por trás da decisão de deixar para depois e é isso que precisa ser identificado.
O pesquisador Joseph Ferrari at DePaul levantou dados mostrando que até 20% da população procrastina muito e isso é um hábito crônico. Hábitos são difíceis de mudar porque as pessoas fazem sempre. É difícil parar de fazer. É preciso desenvolver estratégias para agir e uma delas é começar identificando aquilo que é procrastinação e aquilo que não é. O autor instrui a fazer uma lista de tarefas e associá-las com emoções e sentimentos. Não precisa descrever em detalhes, poucas palavras bastam.
A procrastinação é mesmo um problema? Quais são os custos de procrastinar?
O autor foi numa conferência cujo título era "Viver bem e morrer bem: Novas fronteiras da psicologia positiva, terapia e cuidado espiritual". Um psicólogo notou dois tipos de arrependimento que as pessoas têm quando perdem alguém querido: arrependimentos de ter feito e de não ter feito algo. O autor ficou curioso pelas motivações que estão por trás da pessoa se sentir arrependida por não ter feito. O psicólogo foi perguntando sobre a natureza do arrependimento por omissão:
- Coisas que as pessoas gostariam muito de terem feito, mas não o fizeram?
- Possibilidades generalizadas sobre o que elas poderiam ter feito?
- Normas culturais sobre o que elas acham que deveriam ter feito, o que teria sido bom ter feito?
- Expectativas internalizadas a respeito do que a pessoa amada gostaria que elas tivessem feito?
O psicólogo em questão disse que todos os quatro eram visíveis na prática clínica, mas que o primeiro era especialmente problemático.
As pesquisas indicam que há uma associação clara entre procrastinar, conquistar menos na vida, emoções negativas e mais problemas de saúde. Conquistar menos na vida é uma consequência direta do atraso, uma vez que você tem menos tempo para realizar a tarefa. Piers Steel estudou a procrastinação e a conclusão é óbvia: procrastinar nunca ajuda.
A procrastinação esta associada com emoções negativas e parece haver um contrassenso. Se estamos adiando algo, a emoção negativa não está no fato de fazer aquilo que parece desagradável? Em teoria adiar posterga o desconforto associado com fazer aquilo. Mas o fato de adiar traz a sensação de culpa e os sentimentos são diversos. O alívio de não fazer é momentâneo e não duradouro. Uma pesquisa feita por Fuschia Sirois mostra que adiar traz prejuízos à saúde, como por exemplo adiar o exercício físico. Além do estresse causado pelo adiamento já ser danoso por si só. Isso pode tomar uma vida inteira e a vida pode acabar sendo mais curta por causa de hábitos ruins que nos recusamos a mudar.
A moral da história é que procrastinar é algo que nós mesmos fazemos e isso traz prejuízos à própria vida. A longo prazo isso se traduz numa vida infeliz. O autor quer que você veja o alto custo da procrastinação. Um exemplo drástico que ele dá é com relação à saúde. É fácil saber os benefícios de uma vida mais saudável. Mas às vezes podemos entender isso e ao mesmo tempo não mudar os hábitos ruins. Se o corpo padecer de uma doença, aí sim os hábitos saudáveis se tornam algo muito mais concreto e visível na vida. Se a doença for grave, pode ser muito tarde para chegarmos a esta conclusão.
O que é a coisa mais importante que precisamos saber sobre a procrastinação?
O trabalho de Roy Baumeister e Diane Tice mostra que a procrastinação é uma forma de fracasso de autorregularão. Podemos ter a intenção de fazer, mas fracassamos na tentativa de modular o próprio comportamento para atingir aquele objetivo. Um problema parecido é o vício em bebidas, jogos de azar, comer demais, gastar demais, etc. O ponto central é que não conseguimos lidar com a dor ou o fracasso e aderimos a um prazer imediato, comer ou beber por exemplo. Num caso mais grave pode haver consumo de drogas lícitas como estabilizadores do humor ou antidepressivos por exemplo. Inconscientemente queremos fugir das emoções negativas. Emoções como tristeza, raiva, culpa, arrependimento, ressentimento, humor deprimido, ansiedade. No procrastinador crônico a busca por pequenos prazeres, alívios momentâneos, acaba tomando prioridade na fila de prioridades.
O ponto central é reconhecer as emoções em primeiro lugar. Se você não reconhece a emoção associada a fazer algo, o problema começa por aí. O autor instrui a reconhecer a emoção negativa e a encará-la, não fugir dela. Se a emoção negativa for o medo por exemplo, podemos tomar a decisão consciente de não se concentrar no medo, mas em outra emoção. Por exemplo, podemos nos concentrar em alguma habilidade que nós temos, ou algo positivo e diminuir o tamanho da emoção negativa que nos impede de fazer uma tarefa. Deixar para amanhã é exatamente aí que deixamos nos levar pela emoção negativa!
Porque não vamos fazer amanhã
Um dos leitores do blog do Psychology Today mandou uma frase que está numa placa num açougue: "Hoje você paga, amanhã é de graça". Percebeu a pegadinha? Se você não pagar hoje, não tem de graça no dia de amanhã. Muitas pessoas pulavam o dia de hoje, esperando que amanhã não pagariam nada. Ou seja, não entendiam a condicional imposta.
Muitas pesquisas, incluindo as feitas por Dan Gilbert e Tim Wilson, mostram que as pessoas são ruins em previsão de futuro. Mais especificamente, somos maus previsores de estados emocionais. Temos um viés cognitivo muito forte quando tentamos fazer previsões relativas a eventos positivos ou negativos. Por exemplo: ao ganhar na loteria a previsão é de que a felicidade é maior após ganhar. Momentaneamente pode ser que sim, mas anos depois e a felicidade não é maior segundo os estudos feitos. No caso de acidentes graves é previsível que a pessoa estaria mais triste anos no futuro, mas não é isso que se verifica.
A explicação para esse viés está nos conceitos de Focalismo e Presentismo. Focalismo é uma tendência a subestimar o impacto que outros eventos terão nos seus pensamentos e sentimentos no futuro. Presentismo é julgar o futuro através das informações que se tem no presente. Juntando ambos temos a tendência de projetar no futuro aquilo que temos hoje, o que implica que estamos tentando predizer o futuro através das sensações atuais ou passadas. Um exemplo bem simples é fazer compras com fome, a tendência é comprar mais do que o necessário. Com a fome no momento da compra estamos inconscientemente projetando mais fome no futuro, o que não podemos predizer com exatidão.
Quando decidimos fazer algo, naquele momento estamos tomados por um sentimento positivo. Há uma armadilha escondida nisso. A motivação positiva se dá no momento em que a tarefa pretendida ainda não foi feita. Ou seja, a gratificação se refere a algo futuro. A ação de fazer é futura e só vem depois da decisão no presente. O erro está neste fato de presumir que sentindo-se bem por ter tomado a decisão agora, quando a tarefa for executada no futuro a sensação será a mesma. Será mesmo? Se eu decido hoje que amanhã vou correr ou começar uma dieta, farei mesmo?
Viagem no tempo: a ideia deste exercício mental é tentar trazer para o presente uma imagem futura. Tentar ver uma imagem clara daquilo que se deseja para o futuro, com o máximo de realismo e viabilidade que se puder ter.
Espere estar errado e lide com isso: isso tem a ver com estoicismo. Você já espera pelo pior e aprende a compensar. Mudar o viés cognitivo da mente humana quando fazemos previsões baseadas em emoções é difícil. Previsões de tempo e de economia erram o tempo inteiro e mesmo assim a sociedade anda porque são erros contornáveis. Esta estratégia se desdobra em duas:
Método 1: quando formos tomados pela sensação de que não vamos fazer hoje, precisamos parar e pensar "Minha previsão está errada. É altamente improvável que eu vá fazer amanhã. Não preciso sentir vontade de fazer para fazer". Atletas treinam mesmo que não sintam vontade. Sentir vontade de fazer não é pré-requisito e nem mesmo suficiente para fazer o que tem que ser feito.
Método 2: quando temos um objetivo de começar amanhã, o sentimento positivo e otimista de agora não irá se repetir amanhã. O segredo é que você não precisa desse sentimento otimista para começar a fazer agora o que você tem que fazer. Psicólogos sociais mostram que as atitudes acompanham os comportamentos e não o inverso, os comportamentos seguirem as atitudes.
Um adendo quanto aos erros de julgamento de futuro. O livro diz respeito a procrastinação. Não está lidando com outras situações como segurança ou investimentos. É perfeitamente natural se sentir inseguro se a situação evoca algo ruim que já aconteceu antes, como no caso da segurança ou de um acidente por exemplo.
Um exemplo do exercício de viagem no tempo proposto pelo autor. Uma vez eu vi em alguma comunidade por aí de estudantes que queriam medicina uma menina que disse que ia estudar na biblioteca da faculdade de medicina. O fato dela estar lá dentro, fisicamente mesmo, era uma motivação para estudar. No caso dela ela disse que estar no ambiente da faculdade ajudava a estudar e que no fim, funcionou. Ela conseguiu passar no vestibular. Poderia gerar mais ansiedade e cobrança e daí piorar o desempenho na prova, a ponto de a estratégia não funcionar? Poderia e depende muito da pessoa. Eu já fiz isso de estudar para o vestibular na biblioteca de uma faculdade exatamente como essa menina. Mas pra mim não deu muito certo. Eu diria que se mudar de ambiente não ajuda, então o problema não deve ser o ambiente e é algo interno de si.
O Pedro Calabrez tem um vídeo falando de como podemos montar um argumento na cabeça, mas na hora de usar aquele argumento não conseguimos. O emocional entra no meio do caminho e interfere com o nosso raciocínio. Este é o problema das emoções, elas são imprevisíveis e não temos como controlá-las diretamente e nem totalmente. Por exemplo um debate político. Dependendo do clima as perguntas feitas e as respostas dadas não eram previstas e isso pode resultar em inúmeras gafes.
O Pedro Calabrez também gravou um vídeo falando sobre comportamentos e crenças. É mais difícil mudar uma crença do que um comportamento, embora a maioria pense o contrário. Isso porque se temos uma crença negativista por exemplo, o comportamento reflete a crença. Se por outro lado a crença for positivista, o comportamento pode ser o de fazer mesmo que não tenhamos certeza do objetivo ser alcançado (afinal a crença já é positiva não?).
O livro fala que o ser humano é naturalmente mais otimista e daí vem a procrastinação quando temos uma sensação positiva e que não perdura até o dia de amanhã. Quando a motivação se esvai no dia seguinte, procrastinamos para postergar o incômodo, jogando a tarefa de novo para o futuro. O livro não chega a falar do caso de pessoas pessimistas. Aí se a pessoa já prevê um cenário ruim, a tendência é continuar procrastinando também.
No caso de uma pessoa pessimista, o que pode ou não ser um caso de transtorno, veja como isto se explica com focalismo e presentismo. Se estamos focados no problema e nas consequências negativas do mesmo, podemos até entender e ver que existem saídas e soluções. Mas invariavelmente o nosso julgamento é enviesado e subestimamos o poder que outras coisas podem ter sobre o problema. Outras coisas como um dia diferente, uma pessoa diferente, uma frase, um pensamento novo. Ao mesmo tempo, estamos pressentindo um futuro negativo através de um viés cognitivo que se baseia no momento negativo de agora. Comece listando quais os elementos negativos que você está vendo no momento atual. O que te faz pensar que o dia de amanhã não será diferente ou não será melhor? São crenças inabaláveis?
Desculpas e autoengano: como nossos pensamentos contribuem para a procrastinação
Uma tendência no cérebro é querer justificar a procrastinação. Isso é especialmente verdadeiro quando o prazo é muito grande.
- Preferir premiações imediatas em detrimento das de longo prazo: o cérebro tem uma tendência de ser imediatista. Quer ser recompensado logo e assim sendo, recompensas que demandem muito tempo parecem ter menos valor.
- A falácia do planejamento: dada a natureza de sermos otimistas demasiadamente, a tendência natural é subestimar o tempo que leva para completar uma tarefa e ao mesmo tempo, superestimar a nossa capacidade de realizar a tarefa. Isso é um viés cognitivo de positivismo exagerado.
- Limitações autoimpostas: são desculpas dadas a si mesmo para proteger o próprio ego e a própria autoestima. O exemplo clássico é deixar para a última hora. Se o resultado for bom, maravilha. Você fez em pouco tempo. Se o resultado for ruim, você pode usar da desculpa de que não houve tempo hábil. Em ambos os casos a resposta final acaba sendo favorável a você mesmo. Esta armadilha é especialmente perigosa. Pois ambas as saídas são potencialmente danosas, ao mesmo tempo em que trazem algum conforto mental.
- Deixar para fazer amanhã: se tivermos 10 dias de prazo, tendemos a pensar que deixando para amanhã, ainda temos 9 dias. Seguindo na bola de neve o limite é pensar que ainda falta um dia inteiro. Mas quando chegar na véspera, o dia de amanhã é o prazo esgotado. Daí somos consumidos pelo pensamento de que era melhor ter começado antes.
- Nossos pensamentos irracionais: eles tem relação com crenças. Por exemplo: crenças de ser incapaz, crenças no perfeccionismo ou mesmo crenças de que não adianta fazer em primeiro lugar.
- Fabricando nossa própria felicidade e resolvendo o conflito interno: quando nossas ações e crenças estão em conflito, temos a dissonância cognitiva. A procrastinação causa isso no momento em que temos a vontade ou o desejo de executar, mas não o fazemos.
Algumas das respostas catalogadas para a dissonância:
- Distração - procuramos outra coisa para fazer que nos leve a deixar de pensar naquilo que causa a dissonância.
- Esquecimento - pode ser passivo ou ativo. Passivo é o caso de pensamentos não muito importantes, o que é mais fácil de acontecer inclusive. Ativo é um esforço maior, propositadamente não lembrar de fazer algo. (Digamos que você anote numa agenda, mas não abra a agenda para ler por ex)
- Trivialização - você cria crenças na tentativa de reduzir a importância da dissonância. Digamos que você minorize a importância da tarefa ou pense que ela vale menos do que outra coisa por ex.
- Auto-afirmação - muda o foco da dissonância para qualidades que nós temos ou outras propriedades que sirvam como afirmação de nós mesmos.
- Negação de responsabilidade - é uma tentativa de fugir da responsabilidade quando nós somos a causa da dissonância.
- Adição de consonância cognitiva - é uma tentativa de distorcer a realidade. Por exemplo dizendo que não é procrastinação ou que para tomar uma decisão acertada você precisa de outros dados (mas você vai mesmo procurar essas informações extras?).
- Factóides - você usa da clássica desculpa "poderia ter sido pior" pra justificar. Sim, pode ser verdade, mas se isso é feito sempre, não aprendemos nada.
- Mudanças de comportamento - essencialmente é tomar uma atitude para resolver a dissonância. Mas é difícil porque requer uma reavaliação de si mesmo para readequar o comportamento a crenças e valores.
Boa parte dessas estratégias mentais para lidar com um problema tem fundamento no emocional. Regular o próprio emocional então é necessário para resolver o problema.
Existe um mito de que o trabalho só é executado sob pressão. Para algumas pessoas a adrenalina pode ser necessária, mas não para a maioria das outras pessoas. A questão é que erramos ao achar que precisamos ter muita motivação para fazer, quando podemos fazer mesmo com pouca ou nenhuma motivação. Quando o tempo pressiona, acabamos por ter uma força motriz que passa por cima da falta de motivação. Aí que mora o problema de fazer mal feito.
O primeiro passo é simplesmente reconhecer as respostas que você gera. O segundo passo é gerar outra resposta assim que reconhecermos o viés cognitivo envolvido na resposta padrão.
O poder de começar a fazer
O autor aprendeu a notar os sinais de que esta prestes a procrastinar. Quando isto acontece ele começa a fazer a tarefa antes da procrastinação acontecer.
O autor fez uma pesquisa com vários alunos em que eles recebiam perguntas via mensagens: "O que você está sentido?", "O que você está fazendo?", "Tem alguma coisa que você deveria estar fazendo?", "O que você está pensando". Dependendo da situação os alunos deviam dar uma nota de 0 a 10 para o estresse relacionado com a tarefa a ser feita. Zero sendo nada estressante e 10 o máximo de estresse. Na Segunda-feira os participantes assumiam a procrastinação, tanto não fazendo o que deveria ser feito quanto respondendo que estavam adiando o começo ou que não iriam fazer naquele momento. No final da semana ninguém respondia que estava bem por ter adiado ou que era melhor trabalhar sob pressão. O que é perfeitamente compreensível.
Curiosamente, o que a pesquisa mostrou é que na Segunda-feira a tarefa era associada com muitas emoções negativas e alto estresse. Porém, na véspera do prazo, quando as pessoas começavam a fazer, a percepção de que a tarefa era desagradável ou muito difícil diminuía drasticamente.
A moral da história é que uma vez que vencemos a inércia estática de não começar, ganhamos momento (conceito físico) e as coisas fluem a partir dali. Tanto a tarefa pode parecer menos pesada quanto parecia antes, quanto a percepção da nossa própria capacidade muda. Pesquisa feita por Ken Sheldon mostra uma clara associação entre emoções positivas e o cumprimento de objetivos. Em suma, assim como vícios e inércia estão ligados a procrastinação, as emoções positivas geram um ciclo virtuoso.
A questão central é que você deve parar de pensar no final, no cumprimento do objetivo. Deve mudar o foco para simplesmente começar o objetivo. Por exemplo: se você precisa escrever alguma coisa, simplesmente olhar para um papel em branco ou uma tela de um processador de texto não leva a nada. Na verdade, inconscientemente leva a mais emoções negativas que atrapalham ainda mais. Por quê não escrever um título? Uma palavra. Algumas palavras. Começar o texto é exatamente isto, escrever e sem se preocupar com a exatidão ou com o conteúdo. Apenas começar pela ideia mais básica possível. Se ficarmos apenas pensando e não executar nem a primeira palavra de um texto, a tendência é isso continuar assim indefinidamente. O mesmo princípio vale para artes, limpeza, organização, qualquer outra coisa na vida.
Digamos que você precise realizar alguma tarefa doméstica que demande 1 hora. O simples fato de pensar naquela tarefa e tentar analisar o que é desagradável nela que te faz evitá-la já é um começo. Tentar mudar a hora, fazer uma lista, já te deixa mais perto de fazê-la. Digamos que a tarefa possa ser vista como um somatório de tarefas menores, cada uma com alguns poucos minutos de duração. Que tal isso? Que tal executar uma das subtarefas que dure não mais do que 5 minutos?
Porque começar não é toda a solução
Começar é apenas a ponta do iceberg. Uma das coisas mais comuns é a procrastinação acontecer no meio, o que significa que o fato de começar não é todo o problema envolvido na procrastinação. Podemos ter dificuldade numa parte da tarefa e qualquer distração vira um gatilho para adiar o que estávamos fazendo. Por exemplo interromper a tarefa para assistir TV, sair para algum lugar, praticar esportes, ler outra coisa, qualquer outra atividade que nos leve para longe do que estávamos fazendo. Assim como são as emoções negativas que nos impedem de começar, elas também podem impedir de concluir. Uma vez superada uma emoção que impedia o início isso não significa que ela não voltará no meio, pode voltar e até pior. A questão é que de novo, prever o emocional durante o processo é muito difícil e quase sempre sujeito a falhas por culpa de viés cognitivo.
Eliminar distrações é um primeiro passo. Por exemplo: mudar o local de estudo ou de trabalho de uma sala para outra; desligar o telefone celular; fechar as janelas ou portas; retirar objetos que chamem a sua atenção. Veja só, se você já esta procrastinando em fazer isso, eliminar os potenciais distratores, por quê será?
Um passo mais adiante é inibir as tentações. Ou seja, além de eliminar aquilo que tira a sua atenção de imediato, tentar desenvolver um mecanismo mental para que você consiga manter o seu foco naquilo que precisa ser feito. Isso porque muitas vezes é a própria mente que demanda um descanso ou que mostra sinais de cansaço e aí é inevitável que você sinta vontade de fazer outra coisa. Comprometimento e dedicação sozinhos não são suficientes. É natural que no meio do caminho a dedicação possa diminuir ou que o comprometimento inicial caia. O que fazer? Tente visualizar no papel os tipos de problemas que te fazem procurar distrações. Só isso já ajuda muito. Indo além, tente prever a sua reação. Quando se trata de procrastinação, invariavelmente temos padrões e identificar esses padrões é necessário.
Força de vontade, força de vontade: se tivéssemos a força de vontade
Força de vontade não é o bastante. Achamos que é e frequentemente erramos por causa disso. O exemplo mais clássico é o de trabalhar muito e aquela vontade de praticar exercícios físicos nunca vem. Na verdade, temos vontade, mas depois de uma carga pesada de trabalho, procrastinamos.
Uma pesquisa de Roy Baumeister demonstra na prática como isso acontece. Um grupo de pessoas passa por um exercício de controlar as próprias emoções e vontades em algo simples como não rir assistindo um filme engraçado, ou comer menos ou uma comida menos apetitosa de uma mesa com outras comidas mais saborosas. Depois este grupo de pessoas precisa fazer uma tarefa que também exige auto controle, como não beber para depois dirigir ou resolver um quebra cabeças. Para fins de comparação um outro grupo de pessoas fazia a primeira tarefa sem restrições impostas. Depois realizavam a segunda tarefa com as mesmas restrições do outro grupo.
A conclusão é clara. Depois de serem forçados a seguir algumas restrições impostas na primeira tarefa, o estresse gerado provocava uma queda de rendimento na segunda tarefa. Ou seja, ser forçado a controlar as próprias emoções tem um limite psicológico e físico em todo mundo.
Qual a relação entre força de vontade e motivação? Se existir uma recompensa, o fato de saber que você será recompensado acaba compensando a fadiga mental. A procrastinação esta atrelada a esta ideia de que se não vale a pena fazer ou se não achamos capazes de fazer, o caminho natural é deixar para depois.
Algumas estratégias para lidar com a fadiga e a exaustão:
- A força de vontade precisa ser exercitada. Uma tarefa muito simples como pegar objetos com a mão não dominante ou simplesmente resistir à tentação de alguma coisa por alguns poucos minutos. A disciplina é a chave.
- Você está dormindo direito? Não dormir direito atrapalha tudo na vida.
- A tarefa que exige autocontrole não deve ser feita após um dia cansativo. Seja inteligente e mude a ordem das coisas. Pense no seguinte: se forçar quando as condições são adversas quando você tem a oportunidade de mover objetivos e trocar a ordem deles não é uma estratégia muito inteligente.
- Coisas, eventos e pessoas que tragam bem-estar são capazes de recarregar as nossas forças. (cuidado! Isso facilmente se confunde com vícios e prazeres!)
- Planejar ações para algumas ocorrências é válido e ajuda. Não é possível antecipar tudo, mas é possível antecipar o que fazer em situações frequentes como cansaço, fome, dias específicos e assim por diante.
- Alimentação. Baixa glicemia afeta a sua capacidade de raciocínio.
- Interações sociais demandam autocontrole e isso pode ser desgastante.
- A capacidade de autocontrole depende das nossas motivações. A fome e o cansaço podem ser contornados se mantivermos o foco em nossos valores e objetivos. (cuidado! não significa se sacrificar e atropelar a fome e o sono)
Uma vez um professor me disse "Chega em casa, não pense em estudar assim que chegar. Toma banho antes". É verdade, o simples ato de trocar de roupa e mudar o estado mental de um ambiente para outro pode ser o impulso necessário para começar a fazer.
Uma pergunta fácil de responder: Se você vai prestar uma prova e faz simulados, o que dá mais confiança. Ter uma nota acima do mínimo necessário segundo as médias de anos anteriores. Ou uma nota muito perto do mínimo? Se você está abaixo da nota ou muito pouco acima, se sente mais motivado a melhorar ou menos motivado? Por quê?
Isso é algo que eu li sobre treinamento de atletas. Numa competição de nível mundial o atleta não pode se dar ao luxo de ter 90% de desempenho. Se o objetivo é a vitória, então é exigido 100% ou mais. É por isso que alguns esportes não duram muito na vida do atleta, porque o corpo não sustenta tanto impacto por tanto tempo. Os melhores técnicos são aqueles que lidam com o emocional do atleta de forma a minimizar a interferência negativa do emocional no desempenho.
No tratamento de diversos tipos de transtornos essa questão da vontade é um problema central. Se a pessoa sente vontade de comer muito. Como controlar isso? Se a pessoa é um mentiroso compulsivo. Como controlar isso? Se a pessoa é passiva e não sente vontade de fazer nada. Como mudar essa inércia? Um caso extremo de assassino em série por exemplo. A vontade é simplesmente incontrolável e a ciência não sabe como mudar isso.
Tem algumas histórias de transtorno de personalidade que relatam casos de abuso. Por exemplo: ser cobrado por notas máximas na escola, caso contrário você é punido severamente. Na vida adulta isso pode se traduzir numa pessoa que simplesmente não faz nada por temer as consequências, mesmo que elas não existam de fato. Muitas histórias de transtornos de personalidade tratam de casos que a pessoa foi punida por obter resultados, o que é completamente invertido em relação à expectativa normal da vida. É algo semelhante a muitas histórias de relacionamentos abusivos, que invariavelmente estão ligadas a algum transtorno também. Pessoas que associaram na mente a punição ao amor ou a recompensa, o que é uma completa distorção das percepções normais de uma pessoa.
O que vem de nascença: Personalidade e procrastinação
O capítulo dá dois exemplos. Fiona é organizada, esforçada, objetiva e comprometida. São traços de personalidade com associação negativa com a procrastinação. David é autocrítico, perfeccionista e segue padrões muito rígidos de qualidade. São traços de personalidade com associação positiva com a procrastinação. Note que são duas pessoas com algumas semelhanças no sentido de que ambas buscam resultados e são pessoas razoavelmente confiáveis, mas uma não procrastina e a outra procrastina muito.
As pesquisas feitas por Henri Schouwenburg e Clarry Lay mostraram que dois cinco grandes traços de personalidade, dois são os mais importantes para a procrastinação: conscienciosidade e neuroticismo. Os outros três: extroversão, agradabilidade e abertura para a experiência não são muito relevantes para a procrastinação.
O livro sugere dar notas de 1 a 10 para cada traço de personalidade. Onde 1 é muito diferente de você e 10 é exatamente como você.
- Conscienciosidade: pessoas com alta pontuação aqui são responsáveis, determinadas, perseverantes, exigentes. Testes de personalidade costumam tratar de competência (eficiência), ordem (organizado), exigente (não descuidado), disciplinado (não preguiçoso), deliberativo (não impulso), busca resultados.
- Neuroticismo ou instabilidade emocional: alta pontuação indica pessoas ansiosas, preocupadas ou nervosas. Testes de personalidade costumam tratar de ansiedade (tensão), hostilidade (irritável), depressiva (não contente), tímida, impulsiva (temperamental) e vulnerável (não autoconfiante).
- Impulsividade: alta pontuação aqui significa mais impulsividade. Diz respeito a agir antes de pensar. A pessoa tem uma capacidade limitada de pensar nas consequências dos seus atos. Isso implica que a pessoa não possui alto autocontrole.
- Autoestima: alta pontuação aqui significa que você se sente mais feliz e mais satisfeito consigo mesmo.
- Perfeccionismo socialmente prescrito: alta pontuação aqui significa que você acredita que os outros esperam de você alto desempenho.
Personalidade de risco: some a pontuação dos itens 2, 3 e 6 acima.
Personalidade resiliente: some a pontuação dos itens 1, 4 e 5 acima.
Se você procrastina muito provavelmente a pontuação do quesito risco é mais alta do que a do quesito resiliente. O ponto central é que você não precisa mudar a sua personalidade para mudar a procrastinação. A questão é que podemos desenvolver métodos para lidar com diferentes situações. Programar respostas que não sejam as que estamos habituados. Como por exemplo tomar uma decisão sem pensar ou fazer algo quando dá vontade. A analogia é que para ser um ator, quanto mais diferente a personalidade do personagem for da sua, mais energia é necessária para atuar. Daí a dificuldade em não agir como estamos habituados. O gasto energético é muito alto. O que fazer? Um ponto é tentar aumentar a reserva energética. O outro é tentar reduzir o gasto de energia.
Em qualquer caso se faz necessário um planejamento. Prever respostas. Estudar os padrões de respostas. Aprender quais estímulos te tiram a concentração e quais estímulos ajudam a se concentrar. No fundo tudo passa por uma reavaliação de si mesmo. Incluindo questionar crenças e valores. Ou, indo mais a fundo, descobrir quais as crenças estão por trás da procrastinação.
Este capítulo do livro não diz que é fácil mudar hábitos. Mas também diz que a personalidade em si não é a causa da procrastinação. Os transtornos de personalidade são todos de difícil tratamento porque como você muda a pessoa? A personalidade é estável. Mesmo pessoas emocionalmente instáveis, em muitos casos o padrão normal é a própria instabilidade. Como mudar isso? Em casos extremos como psicopatas que são incapazes de sentir culpa e remorso não se sabe se existe uma forma de mudar a mente da pessoa.
O Pedro Calabrez faz um curso sobre como mudar a nossa mentalidade, padrões de comportamento e hábitos. Uma coisa ele afirma com toda segurança: nunca acredite em fórmulas mágicas de sucesso ou de mudanças rápidas. Elas não funcionam. Seria ótimo poder ser outra pessoa em 30 dias, 60 dias, mas isso não funciona.
Ciberacomodação na supervia da procrastinação
O tema do capítulo é a procrastinação mais ativa ou menos ativa. A procrastinação não necessariamente é não fazer nada, mas principalmente fazer algo que não se ganha nada. Por exemplo: redes sociais. A tentação de ler uma notícia sobre um acidente, ver o histórico de uma banda ou qualquer outro assunto aleatório é muito grande. Aquele minutinho gasto abrindo o facebook pode se transformar em horas e como isso acontece? Inconscientemente estamos somando um minuto aqui, outro minuto ali, pequenos períodos de procrastinação que no final somam horas e mais horas. Redes sociais são programadas para viciar. Observe como muito conteúdo online é digerido rapidamente, se for digerido. É tudo imediato e a recompensa do prazer também é rápida. É um ciclo vicioso.
Multitarefa é um mito. A esmagadora maioria das pessoas não é multitarefa. Na verdade o cérebro perde energia e executa as tarefas com pior desempenho se não se concentrar numa coisa só. Acidentes envolvendo celular e carros são uma prova cabal disso.
O livro termina juntando os capítulos anteriores numa conclusão. A conclusão é, de maneira geral, toda centrada no emocional e como isso se liga com hábitos. Mudar tudo de uma vez é inviável. É preciso ter inteligência e atacar o problema da procrastinação por partes. O autor nunca diz que é fácil e nem que é indolor.
Uma coisa muito importante que o autor diz no final é sobre o perdão. Você se culpa por ter atrasado? Você fica se culpando por não fazer? A grande diferença é que o perdão neste caso é para você mesmo, afinal quem é que está se culpando?
A quantidade assustadora de artigos e pesquisas sobre isso só prova o quanto isso afeta todo mundo em toda parte. Os computadores, móveis ou não, são preparados para multitarefa. Mas o cérebro não é. Veja a quantidade de mecanismos e aplicativos sendo feitos para controlar o uso do tempo pelas pessoas. Incluindo até leis em alguns países dado o problema que os jogos causam por exemplo. É praticamente um problema de saúde pública. Uma epidemia. O Pedro Calabrez tem vídeos sobre isso.
Um efeito interessante. O autor diz que muitas pessoas relataram para ele que procrastinam lendo sobre a procrastinação. Curioso? A pessoa estaria fugindo de algo? Se esta, note que curiosamente ela estaria fugindo mas lendo sobre as razões da sua própria fuga. Será que existe aí um mecanismo mental de auto proteção, de distorção da realidade? Por exemplo: caso eu não encontre uma justificativa perfeita para fazer, vou continuar procurando uma. Aí que esta. A justificativa perfeita existe ou é apenas um mecanismo de fuga por si só?