Não lute contra a natureza humana

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Mark ensina que a natureza humana é uma espada de dois gumes. Ela pode matar o design ou avivá-lo. Depende da sua abordagem. Ele dá como exemplo a mecânica feita no set Odisseia que premiava os jogadores que descartavam mais cartas dando um bônus numa magia (a mecânica se chamava "Limiar"). A mecânica fracassou e não foi popular. Uma outra mecânica de outro set premiou os jogadores por fazerem algo que eles queriam fazer (um exemplo de mecânica assim é "aterragem"). Neste caso a mecânica foi um sucesso. A lição é sobre criar design que se aproveite do comportamento humano, ao invés de criar coisas que vão contra a natureza humana.

A lição de vida é que as pessoas são pessoas e lutar contra a natureza humana leva ao fracasso. Mark relembra dos seus primeiros dias namorando e como ele tinha expectativas irrealistas que o levaram a fracassar muitas vezes. Mark aconselha as pessoas a olharem para si mesmas quando percebem que estão constantemente fracassando com outras pessoas.


Tem um nível de monster hunt, um mod de unreal tournament 1999, que eu joguei muito. Nele os jogadores enfrentam monstros do unreal 1 para chegar ao fim do nível, o objetivo. Não é nada além de jogar unreal 1 cooperativamente. O nível que uso de exemplo aqui é chamado "Assault That Area 2 (MH-ATAA2)". Ele tem algumas salas com um cristal gigante. Em cada sala os jogadores precisam ficar parados em algumas plataformas por até um minuto. Enquanto os jogadores estão nas plataformas duas vigas de metal avançam lentamente. Quando as duas vigas de metal se tocam o cristal explode. Enquanto os jogadores estão nas plataformas uma enxurrada de monstros avança nos jogadores e eles tem que ficar atirando enquanto estão parados. Os jogadores querem se mexer, não serem forçados a ficarem parados e se defendendo dos monstros que atacam.

No Unreal Tournament o narrador recompensa o jogador por séries de mortes. Quando um jogador mata muitos jogadores seguidamente, o jogo anuncia para todos "morte dupla", "muitas mortes", por aí vai. É um tipo de premiação e os jogadores querem marcar pontos matando vários em sequência. Estou basicamente repetindo o mesmo argumento do Mark. O pior que um jogo pode fazer é punir os jogadores por eles fazerem o que querem fazer (desde que os jogadores não estejam violando alguma regra). O parágrafo anterior é desses exemplos. O nível foi concebido de uma forma que está, de fato, forçando os jogadores a irem contra própria natureza.

A lição de vida se relaciona com a aceitação radical, um conceito que ouvi pela primeira vez pesquisando sobre a personalidade limítrofe. Existe um modelo de terapia chamado "Terapia Comportamental Dialética" que foi criada por Marsha Linehan para tratar pacientes com instabilidade emocional severa, que é uma das características chave da personalidade limítrofe. Não sou treinado na psicologia, mas pelo que entendo, a aceitação radical empresta conceitos do Budismo para ensinar as pessoas que algumas coisas simplesmente são o que são. Para dar um exemplo: se chove, chove. A chuva por si só é um evento natural. A chuva pode significar diferentes coisas e o significado fica a cargo da pessoa. As pessoas podem associar a chuva com qualquer emoção, seja ela negativa ou positiva. As pessoas não controlam as estações e se a chuva é associada a emoções negativas como a tristeza. Elas não podem mudar a chuva, mas podem olhar para si mesmas e tentar mudar como elas se sentem em relação à chuva.

A aceitação radical pode ser facilmente confundida com passividade, mas não é sobre aceitar que mudanças são impossíveis. É mais sobre o nosso sofrimento ser ligado a desejos irrealistas ou a busca de coisas que simplesmente não podemos ter ou alcançar. Suponha que você seja bom de contar histórias e ruim de jogar futebol. Se num ponto da sua vida a sua habilidade de contar histórias se conectou profundamente com uma experiência ruim e você disse para si mesmo "Nunca mais vou contar histórias!". Enquanto por algum motivo, você decidiu seguir uma carreira de jogador de futebol sem ser bom nisto. É certo de que essa mudança forçada na vida irá trazer consequências negativas no futuro. Que fique claro que não estou me referindo a contar histórias para enganar ou mentiras. Outro exemplo seria se apaixonar por uma pessoa que depois se revela tóxica, ou então temos o sonho de trabalhar numa empresa que depois se mostra incompatível com as nossas expectativas. O que digo corresponde aos relatos de Mark sobre namoros fracassados e ao início da carreira dele como roteirista em Hollywood. Se não temos como transformar a outra pessoa ou a empresa, o que podemos fazer sobre nós mesmos então? Também é impossível se transformar em outra pessoa. Esta é a parte da aceitação da aceitação radical. Se eu não sou bom no futebol e treino duro para tentar me tornar tão bom quanto um jogador famoso. Pode muito bem acontecer de eu fracassar e ficar com uma ferida emocional profunda. Eu não preciso me sentir arrasado e triste para sempre. Eu posso ser um jogador bom num nível que me deixe feliz ou para jogar com amigos. A dor é inevitável, mas o sofrimento é opcional.

Às vezes temos sonhos, desejos, aspirações e que não estão erradas por si só. Depende de como encaramos ou como lidamos com elas. No caso de relacionamentos tóxicos um elemento que eu li sobre é quando temos um casal. Uma pessoa pode pensar erroneamente que precisa se doar em prol do outro, como se quisesse salvá-la ou resgatá-la. Não estou querendo criticar a religião ou Jesus, mas pensando naquela imagem de Jesus curando as pessoas com o poder da fé. Se a pessoa é um psicopata por exemplo, esperar que algum poder mágico irá "consertá-la" ou que o poder do amor irá trazer sanidade a um psicopata. Não é assim que funciona. Se não podemos "salvar" (o significado de salvar varia de pessoa para pessoa) aquela pessoa, o que fazemos? Desistimos? Eu acho que uma lição importante da aceitação radical é aprender a ver as coisas sem julgá-las como boas ou ruins. Uma pessoa é uma pessoa. O que julgamos são suas ações. Se eu sou bom em algo, eu apenas sou. Se eu utilizo uma habilidade para fazer ou bem ou o mal é uma questão totalmente diferente.

Às vezes criticamos demais as ações dos outros e não percebemos que estamos mais preocupados com eles do que com nós mesmos. Outra coisa que eu aprendi sobre os transtornos de personalidade é que eles frequentemente são associados com extremos de projeção. O que é projeção? Todos simpatizamos mais com algumas coisas do que outras e frequentemente estas coisas são pessoas e/ou suas crenças e/ou comportamentos. Para dar uma explicação bem curta, projeção é quando nossas mentes reconhecem nos outros algo que diz respeito a nós mesmos. Na maior parte do tempo este processo é inconsciente e incontrolável. Um exemplo vem da personalidade narcisista. Um traço dos narcisistas é culpar todos pelo que eles(as) próprios(as) estão fazendo, porque a mente de um(a) narcisista projeta o que eles(as) percebem como ruim de si mesmo(a) nos outros. Eles falham em perceber em si mesmos e podem até chamar todos em volta de narcisistas. Você não precisa ser um narcisista para agir assim, mas se isso é frequente deve haver alguma coisa errada na mente da pessoa que faz isso. A questão é o que motiva este comportamento? Uma possível resposta é que a pessoa é invejosa e não reconhece a própria inveja. Levando isto a um nível extremo e podemos ter uma pessoa obcecada com outra a ponto de querer se tornar aquela pessoa ou, de alguma maneira doentia, querer substituir quem ela inveja. Eu tenho uma crença bem sólida de que as pessoas frequentemente sofrem porque aspiram algo ou tem sonhos que não são muito realistas e a pessoa não é muito auto-consciente.

Voltando no meu exemplo de ser um contador de histórias. Suponha que escrevo uma história para um set de magic e a história é mal-recebida pelos jogadores. Eu digo pra mim mesmo "Nunca mais vou escrever outra história. Acabou!". Mark tem uma lição sobre os erros serem valiosos. Neste exemplo que acabei de dar. Eu tenho a escola de aceitar que a história não foi bem recebida e foi duramente criticada ou negar a realidade e fugir de escrever outra história. Quem sabe exista uma terceira resposta que não é exatamente uma escolha: negar a realidade e se tornar desiludido, louco. Aí é que temos transtornos mentais relacionados com a desilusão ou a completa desconexão com a própria realidade em casos extremos. Eu acabei de dar um exemplo de desilusão no parágrafo anterior. Mark diz que um trabalho como o dele que é todo sobre design, a quantidade de erros supera a de acertos e isto é a realidade. Podemos aceitá-la? Eu não li muito sobre a personalidade limítrofe, mas parece que com o passar do tempo o conhecimento que os clínicos adquiriram sobre esta personalidade passou a ser aplicado para depressão, ansiedade e muitas outras condições. Mesmo pessoas saudáveis podem se beneficiar desse conhecimento.

Eu acho que um equívoco sobre a terapia é que a pessoa que oferece o serviço de saúde mental está lá para mudar a pessoa. O que li sobre os transtornos de personalidade em geral diz que a mudança não está nas mãos do terapeuta, mas nas mãos de quem os procurou. O tratamento da depressão ou ansiedade não é uma bala de prata ou uma poção que transforma a pessoa e acaba com o sofrimento. O tratamento é o terapeuta oferecendo caminhos e ferramentas e a pessoa escolhendo um novo caminho diferente do atual, além de poder se utilizar de novas ferramentas para mudar a si mesmas. Outro equívoco é o de achar que o terapeuta irá preencher o papel de uma babá / cuidadora ou mesmo dos pais. Um terapeuta não está lá para tratar clientes como se fossem seus(uas) próprios(as) filhos(as). Um bom terapeuta entender como a mente funciona em diferentes cenários, como as pessoas se comportam e por que se comportam desse ou daquele modo. Há muita ciência por trás disso. Um terapeuta também não toma as decisões por você. Eles podem opinar, mas a terapia não é toda sobre "O que devo fazer? Para onde devo ir? O que você acha?".

Eu discuti terapia porque uma das coisas que está na base da saúde mental é a pergunta: "O que causa um transtorno? Quais as razões?". Quando você olha para todos os transtornos de personalidade há uma série de comportamentos e crenças que a pessoa não está ciente. Algumas pessoas estão cientes de seus próprios comportamentos e/ou crenças, outras não. Às vezes elas reconhecem sim que há algo nelas que precisam mudar, mas mesmo assim elas podem estar querendo mudar algo que não precisa ser mudado. Por exemplo: se elas são mais emotivas ou mais frias, isto pode ser ajustado mas não transformado de um para o outro. Cada transtorno de personalidade possui algumas características, crenças e comportamentos que não são exclusividade deles, mas no caso de um transtorno de personalidade são levados a níveis extremos. Podemos separar a pessoa do transtorno? Está e a parte difícil de um transtorno de personalidade. É natural para eles agira daquela forma? Alguns casos são ditos intratáveis, como os narcisistas ou psicopatas mais extremos. Do que eu sei a primeira preocupação do terapeuta não é brigar com a natureza da pessoa, mas tentar entender qual a principal força motriz por trás dos comportamentos da pessoa e quais crenças estão associadas com aqueles comportamentos. O maior objetivo não é mudar o que a pessoa sente, mas compreender por que ela sente o que sente. Armado deste conhecimento, tanto o terapeuta quanto o cliente podem compreender melhor porque a pessoa reage do jeito que reage.

Uma das características associadas com transtornos de personalidade é um problema de comunicação relacionado com o que a pessoa quer dizer e o que a pessoa faz. Pode acontecer com qualquer um, mas se é muito frequente e em níveis que não pode estar certo, então temos algo. Suponha que eu seja um pai ou mãe e diga para os meus filhos(as) que é proibido falar palavrões e que eles(as) nunca podem xingar ninguém. Apesar disto eu falo palavrões muitas vezes e xingo eles ou outros na frente deles. Os meus filhos irão perceber que algo está errado, porque o meu comportamento não corresponde ao que digo. Outro exemplo é punir o bom comportamento. Suponha que eu instruo meus filhos a escovarem os dentes depois de comer. Se todas as vezes que eles escovam os dentes eu os critico e digo que eles estão errados sem dar explicações. Eles irão perceber que algo está estranho, porque não faz sentido fazer o que foi dito para fazer e ser punido por fazê-lo. Estes são exemplos de "dissonância cognitiva". Mark tem uma lição sobre não confundir o interessante com o divertido e eu acredito que esta lição se relaciona com dissonância cognitiva porque podemos estar tentando transmitir uma ideia num jogo que não é percebida como correta pelos jogadores. Para dar um exemplo com uma carta de magic. Imagina que eu faça uma mágica que destrói uma criatura. Eu chamo a mágica de "Descanso Pacífico" e a arte mostra uma criatura sofrendo. Temos mensagens conflitantes na mesma carta.

Vamos realizar um exercício de criatividade e empatia aqui. Pensemos no Mark como um terapeuta e os jogadores como clientes. Magic tem cinco cores e cada cor está associada com algumas virtudes e fraquezas. Para manter of equilíbrio os criadores do jogo tentam fazer as cores serem interessantes e divertidas de jogar, ao mesmo tempo em que mantém a identidade de cada cor. Eles tentam não fazer uma cor ser poderosa demais e outra fraca demais. Os jogadores escolhem como construir um baralho com quantas cores quiserem, desde todas as cartas serem incolores até com todas as cores ao mesmo tempo. O verde tem criaturas com poder e resistência muito altos, mas também não tem criaturas voadoras e magias para destruir criaturas. Exceto destruir criaturas voadoras. Pense num jogador(a) que ama jogar com um baralho inteiro verde. Ele ou ela quer ganhar, mas o oponente tem criaturas que ele ou ela não pode destruir com uma magia. O que Mark pode fazer a respeito? Ele não pode impedir o jogador de sentir o que sente ou mudar o comportamento do jogador, muito menos forçar o jogador a jogar com outra cor. Porém, Mark pode olhar para o que ele pode oferecer para o jogador de cartas verdes poder enfrentar as criaturas do oponente. Ele pode pensar em algum tipo de habilidade ou magia que não viole as limitações do verde para dar ao jogador do baralho verde uma ferramenta para atender aos desejos daquele jogador.

É assim que vejo como a lição de Mark sobre não brigar com a natureza humana. No exemplo anterior o Mark não pode mudar o que o jogador é ou o que o jogador faz, mas ele pode ao menos dar uma ferramenta para o jogador ficar mais feliz. Mark pode indicar caminhos para os jogadores seguirem, se assim o desejarem. Cada pessoa possui virtudes e fraquezas e quando elas têm acesso a ferramentas para gerenciar ou lidar com algo, é escolha delas usar ou não aquela ferramenta. Existem coisas que não vão mudar, mas podemos mudar como olhamos, pensamos e sentimos a respeito delas. Uma fraqueza não precisa ser sempre associada com emoções negativas. Podemos mudar como encaramos uma certa força ou virtude e pensar de outra forma a respeito dela. Se eu fosse criar o design de um nível eu estou certo de que teria que pensar parecido com o Mark. O nível deveria corresponder ao comportamento do jogador e não brigar com o que o jogador quer fazer. O mesmo para terapeutas. Eles não estão lá para brigar com a pessoa. Eles estão lá para oferecer sabedoria, escolhas, ferramentas e caminhos diferentes que a pessoa possa escolher.

Referências (inglês)

Referências (português)

  • Alan Delazeri Mocellim
  • Pedro Calabrez
  • Daniel Martins de Barros